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O estudo político a partir de Chrono Trigger em A Civilização Eterna: Imagem

O ESTUDO POLÍTICO A PARTIR DE CHRONO TRIGGER EM "A CIVILIZAÇÃO ETERNA": UMA ENTREVISTA COM J. O. BILDA

O estudo político a partir de Chrono Trigger em A Civilização Eterna: Texto

Jonas Otávio Bilda é formado em Psicologia e Filosofia e se denomina livre-pensador em sua homepage profissional. É autodidata em História, Religião, Arte, Educação, Literatura e Política, e trabalha como tradutor, revisor e consultor literário, além de se dedicar à produção autoral, também como ghost writer. Oriundo de família báltica e natural de São Paulo, reside em Santa Catarina há 17 anos. É autor da pesquisa acadêmica sobre Psicologia Clínica que tornou-se livro O Alvorecer das Artes do Ser (Luminária, 2016). Também publicou ensaios filosóficos sobre Literatura, Educação Clássica e Crítica Moral com o livro epistolar Cartas de um Solícito Acompanhante (Multifoco, 2018); e é o primeiro tradutor e organizador em livro na América Latina do documento russo-ucraniano Livro de Veles um texto histórico sobre religião eslava pré-cristã, no prelo pela Editora Multifoco.

O S.: Seja bem-vindo, Jonas.


Jonas: Muito obrigado.


O S.: No dia 12 de março O S. publicou uma rápida entrevista com você, a partir de informações fornecidas com exclusividade via telefone, sobre o lançamento de seu mais novo trabalho, o qual, segundo você afirma, é sua primeira publicação oficial sobre Política. A Civilização Eterna: um ensaio sobre os fundamentos político-culturais da literatura atlante a partir de Chrono Trigger é um título bastante curioso para um livro de política. Fale um pouco sobre, Jonas.


J.: A primeira certeza que tive ao projetar esta obra foi que deveria ser um estudo sobre as narrativas de Platão sobre Atlântida em um comparativo com o fictício Reino de Zeal do jogo de RPG Chrono Trigger com fins de apreciação cultural para conclusões políticas. O pensamento de desenvolver esta pesquisa me acompanha desde o ano passado, enquanto trabalhava com algumas traduções. Reuni material durante os meses de fevereiro e março, concluindo a produção e a revisão ainda em março.

No cenário de meu repertório de publicações, é o livro de leitura mais fácil e agradável. Digo isto porque entre meu público leitor tenho fama de ser um ‘autor difícil’. Sem limitação de público-alvo, possui conteúdo objetivo e de interesse geral. Tem curta extensão, algo por 170 páginas, capítulos breves, estilo dialogado e suave, poucas citações e interpolações. Pode ser lido tanto por aqueles que nunca leram Filosofia, quanto por aqueles que nunca jogaram jogos eletrônicos como Chrono Trigger, ou sequer estudam sobre Política. Em resumo, Civilização Eterna é uma exceção no conjunto de meus trabalhos publicados. Para melhor apresentar o livro, vou resumi-lo respeitando sua própria organização interna.


No primeiro capítulo, a partir de várias entrevistas e materiais sem tradução para o português, enceno uma dramatização em forma de narrativa sobre o como o jogo Chrono Trigger foi concebido nos anos 90, e introduzo o eixo narrativo de sua história, qual chamei de A doença do mundo. Aqui discuto sobre o binômio médico da saúde e da doença e o como ele se integra na moral, na arte, na política e, sobretudo, na vida.


Os capítulos dois e três são uma imersão nas estruturas sociais das várias nações e épocas de Chrono Trigger, num rápido estudo sobre suas configurações políticas e culturais, e realçando todas as referências históricas que o jogo faz, até uma longa apreciação espiritual e política sobre o Reino de Zeal.


No capítulo quarto introduzo a tradição de Atlântida em suas fontes primárias e a diferencio da conhecida Hiperbórea, afastando quaisquer poluições esotéricas ou teosóficas.


O grande capítulo cinco reúne várias obras de inusitada diversidade, que compõem o que vou batizar como Literatura Atlante e ilustram o encanto absoluto que Atlântida causou e ainda causa em todo o mundo. Os dois últimos livros estudados, o documento histórico Livro de Oera Linda e o Império de Tiahuanaco de Jacques de Mahieu, são a saída de minha pesquisa do campo hipotético e literário para adentrar no histórico, real.


O último capítulo reservei para conclusões que abraçam o corpo inteiro da obra, esclarecendo as relações, compendiando os fundamentos que encontrei para toda e qualquer cultura que quer a si mesma para sempre e cada vez mais.


Esta cultura que se quer, é a única apta a se tornar uma Civilização Eterna: uma forma espiritual além do tempo que toma corpo na história, ou como disse Hegel em sua Filosofia da História, a Ideia Absoluta que se faz Estado Nacional, ingressando na História através da Razão. É a materialização política na história de um espírito universal da eternidade que se anuncia, desenvolve e perece, retornando ao Ideal enriquecido pela experiência, aguardando uma nova oportunidade para realizar-se no mundo. Este momento de encontro entre o indivíduo e o Estado, com o Espírito, se frutifica em uma relação de plenitude que faz florescer o espírito do povo e a possibilidade de uma vida social de autêntica liberdade, criando uma arte, religião e ciência mais verdadeiras, enraizadas, unidas em um só destino. Por outro ponto de vista, é a História como organismo de Goethe e Spengler: a cultura nasce, cresce, amadurece e declina. Mas se ela chega a um apogeu de vontade de permanência, ela não simplesmente desaparece: deixa seus gérmens para a criação de outra superior. Atlântida e Zeal são dois exemplos máximos, ainda que, até certo ponto hipotéticos e literários, desta formidável tradição do pensamento a que podemos chamar hoje de metapolítica.


O S.: Em uma breve observação no Sumário, podemos ver que saltam aos olhos alguns autores clássicos consagrados. Mas o que mais chama a atenção é a variedade desses autores, que aparentemente nada têm em comum. Você coloca, por exemplo, lado a lado, o filósofo grego Platão, o escritor brasileiro Gustavo Barroso, o romancista inglês Jonathan Swift, o médium americano Edgar Cayce e o arqueólogo francês Jacques de Mahieu.


J.: Sim. O sumário é propositalmente intrigante. Para além de concertar estes autores, há também três livros, dois sem autoria conhecida, sem tradução para a língua portuguesa oficial, que estiveram presentes em polêmicas históricas e que inclui em minha pesquisa especialmente por sua diversidade e amplitude. São o Livro de Oera Linda e o Livro de Sabedoria de Perun. O que une este vasto universo literário é o que eu chamei a susocitada Literatura Atlante. Desde Heródoto e Platão produziu-se dezenas de milhares de livros sobre Atlântida, ‘o reino perdido’. Formou-se ao redor disto uma verdadeira tradição muito maior do que costumamos crer, a ponto de o drama de Atlântida, ou seja, o de um povo superdesenvolvido que repentinamente desaparece, reaparecer em toda sorte de produtos culturais, como filmes, romances e jogos.


No entanto, é preciso dizer: Atlântida não é apenas fábula, mito ou uma alegoria platônica. Também não se limita a círculos esotéricos. Uma grande torre de autoridades históricas e científicas defendeu sua existência real. Me aproprio da obra de um de nossos maiores intelectuais, Gustavo Barroso, para discorrer sobre isto. Dividi a Literatura Atlante em quatro gêneros: utópica (ensaios políticos e literários, distopias), metafísica (revelações, códigos morais, espiritismo), fictícia (livros especulativos, hipóteses, romances arqueológicos) e científica (pesquisas sérias, compilação de dados). Durante o livro, vários exemplos dessas quatro vertentes são resumidos e comparados tanto com a Atlântida clássica, que é a de Platão – na qual defendo que seu tratado político A República recebe inspiração direta do estadista Sólon que viajou para o Egito e recebeu os relatos da cidade misteriosa –, como também comparados com o Reino de Zeal de Chrono Trigger, analisado um capítulo antes.


O S.: O jogo de RPG Chrono Trigger é bastante conhecido e já atravessou as gerações, sendo considerado uma obra-prima na história dos jogos eletrônicos. Além de constar no subtítulo de seu livro, a capa que confeccionou é uma ilustração conhecida relacionada ao jogo, e o primeiro capítulo, que está disponível no site da Clube de Autores enquanto amostra grátis, é quase totalmente voltado a Chrono. Por que escolheu este jogo como tema para o seu livro?


J.: É preciso dizer que é este oficialmente o primeiro livro brasileiro e em língua portuguesa sobre Chrono Trigger. No entanto, gosto de reforçar que não é um livro sobre jogos. Sou um crítico enérgico do entretenimento e defendo a vida ativa, tanto em termos de ação física como intelectual. No entanto tive uma infância bastante solitária, especialmente por limites financeiros que obrigavam meus pais e irmãos a mudarem de residência constantemente, e assim não pude criar laços de amizade, familiares extensos e, como moramos em regiões perigosas de São Paulo, em poucos lugares me foi facultada a possibilidade de brincar ou sequer andar na rua. Isso só começou a ser possível quando nos mudamos para Santa Catarina, na então pequena cidade de Brusque quando recém havia completado meus dez anos. Por bons anos minha diversão foram a televisão e jogos de videogame de antigas plataformas como o Super Nintendo.


Até a adolescência mantive um laço especial com os jogos. Então não fui uma criança exatamente estudiosa, nem tinha qualquer ideia sobre o futuro, profissão, filhos, nem tinha noções sobre minhas proveniências culturais. Era uma perfeita criança moderna: sem raízes, sem destino, vivendo os estímulos orgânicos e fugindo do tédio.


Mas com a descoberta de Chrono Trigger tudo mudou. Foi, como diz Schelling, Hegel, Nietzsche ou qualquer outro grande filósofo da arte, um instante de beleza que me uniu ao infinito, que me permitiu experimentar a absoluta liberdade unida à necessidade do mundo; que me deu, como escreveu Kant, todas as condições potenciais para desenvolver em mim a faculdade de conhecer, traduzida na paixão pelos estudos. Passei a cultivar o amor pela música, pela filosofia grega, pela literatura. A arte já fazia parte da minha vida, mas a partir de então passou de uma atividade marginal para um centro existencial. Ingressei em grupos de teatro, dança, música, desenho, poesia. Foi aos 15 anos que publiquei meu primeiro trabalho: um conto literário em um livro de coletânea de contos promovido pelo SESC em 2009. Eu era o único jovem de um grupo formado por escritores profissionais de longa experiência.


Durante a aventura do jogo, em que você atua e muda a vida das pessoas, dá de comer a pobres, salva cidades inteiras, ensina sobre caridade ao ganancioso ou assiste a ascensão e a queda da civilização, desde a primeira vez que o conheci, me senti possuído por um desejo de aprender sobre história, literatura, arte, filosofia. Chrono Trigger foi muito além do simples jogo, da diversão, do desafio (que são os objetivos de toda equipe ou organização de entretenimento, isto é, a indústria de jogos, desde as origens): é uma grande lição de humanidades, um baú de tesouros de referências culturais que até hoje, quinze anos depois, me surpreende com algo novo.


Mais especificamente quanto ao livro, antes mesmo de pensar em Chrono Trigger e a experiência estética incrivelmente libertadora e criadora que ele me proporcionou, penso sobre a carência e a importância de promovermos a Alta Cultura no debate político brasileiro. Pois não é novidade que, nas discussões fala-se em demasia sobre Estado e sociedade justos, sobre nobreza e virtudes, sobre heroísmo e espiritualidade, e o decadentismo da ética e política modernas. Mas quem está disposto a indicar onde encontrar essa justiça? Sabemos, muitos de nós, os objetivos a serem atingidos, conhecemos os exemplos históricos, lemos ótimos livros. Mas onde está a Beleza? Sejamos até mesmo críticos com a mídia, com a indústria cultural, com a literatura - é preciso superar a dimensão apenas negativa de nossa crítica. É preciso saber reconhecer o belo, o saudável, o próprio, para de fato superarmos o estado de coisas atual. 


Este livro, portanto, parte de Chrono Trigger, vai muito além dele, e então retorna, ao final, repleto de conclusões instigantes e, com certeza inéditas em nosso campo de discussão política. Pretendo proporcionar essa experiência de despertar a sensibilidade de uns e o desejo de instrução a outros, apontando um caminho cultural e esclarecendo alguns dos pontos cegos das questões em pauta pela arena do combate intelectual.


O. S.: Ainda assim, os temas e campos abordados saltam aos olhos quase como se fossem incomunicáveis, de tão singulares. Como você vinculou assuntos tão diversos como Chrono Trigger, Atlântida e Política?


J.: Para ser breve, o núcleo e nexo organizador de toda a obra, ao redor da qual gravitam tantos autores antigos, medievais e modernos, dentre filósofos, cientistas, artistas e religiosos, e com propostas de trabalho tão distintas e com frequência opostas, é um lugar chamado Reino Mágico de Zeal, o ápice dramático do enredo do jogo Chrono Trigger – o Bifrost, a ponte mágica, digamos assim, que une todo o pensamento humano, antigo e atual, ocidental ou oriental. Dediquei um capítulo inteiro apenas para apreciação do Reino de Zeal. Zeal, como uma reapresentação ou reaparição simbólica ou alegórica de Atlântida, é o vínculo de todos os temas, autores e questões do livro.  É inclusive o conceito artístico da capa do livro.


Zeal é a imagem da cultura, política, sociedade perfeitas. É, como diria Hegel, a Ideia encarnada na Razão e no Tempo de um modo jamais visto. Não é para menos que se trate de um lugar acima das nuvens, suspenso por ilhas flutuantes na última Era do Gelo, em 12000 a.C. Ali ciência e magia, arte e filosofia, política e cultura formam unidades indissociáveis. Todos gozam de uma vida intelectual plena, estão rodeados de beleza e senso comunal, sentem orgulho de si mesmos, isentos da busca por alimentos e terra pela sobrevivência, livres de guerras e exploração. Zeal é o momento de máxima contemplação em Chrono Trigger. E é uma atualização contemporânea da Atlântida de Platão. Assim, Zeal, de modo anacrônico, claro, reaparece na Utopia de Tomas Morus, na Cidade do Sol de Campanella, e em inúmeras representações de grandes civilizações que encontramos na literatura, na história, na arte.


Então em toda tradição filosófica e literária em política, quando os autores se perguntaram “qual a constituição excelente” ou “qual a melhor forma de administração” ou ainda “como seria a república ideal”, sempre encontraram resultados extremamente semelhantes, independentemente da época e cultura em questão. Claro que não foram muitos os pensadores com tamanha ousadia, mas estas obras estão aí para que todos possam verificar por conta própria. E não apenas na filosofia política, mas na história das culturas antigas é possível verificar muitos dos elementos que encontramos em Atlântida e em Zeal, como é o caso da Índia Védica, a Pérsia Zoroástrica, A Esparta de Licurgo, o Egito Pré-Dinástico, a Grécia Homérica ou a Roma de Augusto.


No começo do livro, inclusive, reforço que o maior critério de validade para um argumento político ou histórico, é que ele possa ser verificado invariavelmente por qualquer um. Embora me fundamente em grandes nomes do pensamento, deixo abertura para o livre-pensamento e convido ao leitor, o tempo inteiro, a elaborar suas próprias questões e buscas, livre de dogmatismo doutrinário. Digo mais: é muito raro encontrar livros com este tipo de disposição e atitude, especialmente sobre temas tão tradicionais.


O S.: Jonas, agradecemos pelos seus esclarecimentos. Alguma consideração final?


J.: Sinto que devo reforçar apenas uma questão.


Quero que este livro seja uma experiência profunda de reencontro com o belo. O belo nas suas acepções mais simples e puras: o belo harmônico e ordenado, equilibrado. O belo que está dispensado de ser útil, e que por isso intriga e encanta. O belo que convida à apreciação, ao demorar-se. Que provoca desde um sorriso singelo até a profunda meditação. O belo que não ensina, mas inspira o aprendizado; que não ordena, mas prepara a obediência; que não moraliza, mas permite discernir o bom e o mau em cada caso. O belo como aquilo que desabrocha, o belo como o natural e necessário, e também espontâneo e livre. Livre do dogma, do preconceito, da obrigação. O belo que fala apenas pelo que causa no íntimo do apreciador. É esta a beleza que aparece, se tivermos o espírito receptivo, na narrativa de Platão sobre Atlântida, nas cidades de Zeal em Chrono Trigger, nas viagens e descrições imaginativas de Von Sass, Gibbins, Swift e Campanella. Esta experiência de beleza, que custou centenas de páginas a um Schopenhauer, mil versos de um Hölderlin, uma vida de estudos de um Wagner ou um Schlegel, é uma verdadeira revolução educacional que liberta o homem do vulgar, do transitório, do mesquinho, do corriqueiro, do grosseiro, do lógico, e o introduz num verdadeiro espaço de liberdade, de criação individual, de integração da personalidade, de senso trágico da vida.


Quero proporcionar esta experiência ou ser parte dela, ou pelo menos ser o guia de seu encontro ao leitor, independentemente de suas convicções políticas.

O estudo político a partir de Chrono Trigger em A Civilização Eterna: Texto
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