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UMA INTRODUÇÃO A ARTHUR DE GOBINEAU E SEU “ENSAIO SOBRE A DESIGUALDADE DAS RAÇAS HUMANAS”
“Em tempos sombrios, quando a virtude pública abandona a terra, os escritos antigos não importam mais, e ninguém mais se importa em perturbar o silêncio das bibliotecas.” — J. A. de Gobineau.
Autor da talvez mais controversa, não obstante erudita, rica, lógica e temerariamente audaz obra do século XIX, Joseph-Arthur, Comte de Gobineau (1816-1882), escritor, diplomata, etnólogo e pensador social francês, às palavras do historiador e arquivista frankfurtiano Veit Valentin[1], especialista das Revoluções de 1848 – sua Geschichte der deutschen Revolution von 1848–1849 sagrou-se obra-padrão nas universidades alemãs até hoje – fez “a mais bem sucedida tentativa até então para interpretar e valorizar o desenvolvimento histórico do ponto de vista da ciência biológica na sua obra”, denuncia o espírito novo-burguês decepcionante da época da vitória da Contrarrevolução que, na França, após a República Provisória socialista e a eleição de Napoleão III apoiado por clubes secretos, mescla o discurso democrático, ideias socialistas e chefia de estilo ditatorial militar à guisa de preservar as grandes empresas e o status quo social.
Os velhos poderes voltam a ocupar seus postos após duradouras lutas de movimentos sociais, e a crença no avanço da razão recebera duro golpe: a ideia de luta pela vida, expressa tanto na ciência em Darwin quanto na ideologia em Marx ou na filosofia em Schopenhauer, encontrou ressonância tanto nas agruras da vida comum quanto nos acalorados debates catedráticos e nas expressões literárias do naturalismo em Zola. Se a matemática e a perspectiva racionalista foi a lingua universalis do século XVIII, agora é chegada a vez da biologia e da perspectiva materialista: eis o contexto do qual subleva-se a obra de Gobineau, que oferece um “complemento histórico e político-social do darwinismo”, não de modo acrítico, por um lado, nem de modo dogmático, por outro, porém, com o mérito acessório de remover em definitivo do princípio de nacionalidade e da ideia de cultura seu fundamento misterioso, seu teor difuso e inefável, sua nuvem romântica por meio do conceito de “raça”, destarte, decifrando o que chamou de “chave de um enigma que perturba tão profundamente às nações e aos espíritos”. De agora em diante, na história das ideias, o homem não mais buscará uma solução milenarista alhures e futura para as dores do mundo, mas aplicará sua força vital na luta por justiça segundo uma acepção realista e presente de política e sociedade.
Embora penso ser supérfluo dizê-lo, enfatizo que bem cabe ao pesquisador ou intelectual liberal a suspensão, ainda que só por um momento, de seu juízo e preconcepções e permitir ao autor o benefício da dúvida. Para facilitar uma tal tarefa que a cada dia se torna mais rara e temerária à exata proporção da própria urgência, isto é, se ainda faz algum sentido a defesa do livre pensamento, sintetizo os capítulos iniciais do Ensaio.
A exposição começa com uma longa consideração sobre o “mais marcante” e “mais obscuro” dos fenômenos da história, que é a queda das civilizações. Este fenômeno só aparece à consciência moderna: o antigo, do caldeu e do hebreu até o romano, nisto não cria. Assevera, também, que não só os velhos bardos e profetas, mas os filósofos gregos e romanos, não dão luz à esfinge. Em especial contraposição ao espírito moral-burguês de sua época, não atribui à ira divina, nem a um mistério inescrutável, nem ao luxo, indolência, sequer à má administração ou corrupção moral, e, mesmo contra os escritores do século XVIII como Montesquieu e Voltaire, sequer ao fanatismo religioso ou ao despotismo político como causa explicativa da ruína das sociedades, e dedica-se a fundamentar, por meio de laudatórios exemplares históricos retirados de obras consagradas como de Alexander Humboldt, Amédée Thierry, James Cowles Prichard ou mesmo Homero e Tucídides, sua refutação, de modo a abrir caminho para sua tese, que apresenta a partir dos termos do anatomista Marie F. X. Bichat: “nações morrem quando são compostas de ‘elementos degenerados’”, termo que prefere definir a partir da etimologia para exprimir um “povo que não tem mais o valor intrínseco que um dia possuiu”, o “homem da decadência”. Isto posto, passa, em seu capítulo quinto, ao exame de uma das “mais antigas crenças do mundo”, isto é, a “desigualdade nativa, original, clara e permanente” entre as nações do mundo, criticando a determinação exclusiva do ambiente no comportamento humano pressuposta no que chama de “axioma político” da fraternidade e da igualdade da espécie. Exime as instituições sociais e políticas da determinação das diferenças étnicas, emancipa o progresso ou estagnação dos povos de seu locus geográfico, retira todos os chamados méritos civilizatórios do Cristianismo e discute um dos conceitos mais importantes das ciências sociais que é o de civilização. Sobre este conceito em especial, faz a crítica da noção clássica de “fato político”, “progresso” e “prosperidade” de François Guizot e Alexis de Tocqueville e a de “humanização”, “suavização” e “formação” de “inteligências individuais” de Wilhelm von Humboldt, para em seguida propor sua ideia original de “duplo instinto” que qualificará de civilizador: um voltado às necessidades materiais, físicas, à força e ao domínio – o masculino –, outro à vida moral, intelectual, contemplativa – o feminino. É só a partir de então, bem afixados os fundamentos, diga-se, que Gobineau desenvolverá as ideias pelas quais sagrou-se nos anais da ensaística histórica e filosófica.
Dito de outro modo, todas as conclusões a que chegara Gobineau põem em xeque às concepções em vigência não só da França mas de toda Europa de seus dias. Da antecipação do pensamento individualista-aristocrático de Nietzsche, do desenvolvimento original das concepções antropológicas de Darwin – conforme podem hoje ser lidas em A origem do homem e a seleção sexual –, da calorosa recepção de suas ideias pelo literato Paul Borget, de sua incorporação às letras alemãs por Richard Wagner o qual assistiu em Bayreuth em 1882, e de sua egrégia amizade com Pedro II da qual resultou afetuosa correspondência, até seu pioneirismo no estudo da Pérsia e do Oriente Próximo dos quais conhecia as línguas e sua incorporação turva e enviesada em doutrinas e discursos políticos os mais diversos em todo o mundo ao longo do século passado, não faltam razões para a apreciação do pensamento de Gobineau, hoje acessíveis ao leitor de língua portuguesa pela tradução de Antonio Fontoura, conclusa em 2021 e que, conquanto de ótima feitura e competência, é poluída de opiniões superficiais e valorações irrelevantes do tradutor que, compreensivelmente movido por paixão, esqueceu-se de obedecer aos preceitos de seu próprio ofício, que é traducere, “conduzir”, e não convertere. Tendo-o, eu mesmo, apreciado criticamente, conquanto discorde de muitas de suas considerações demasiado sinópticas, deterministas e reducionistas, não obstante compreenda as delimitações religiosas e científicas do autor, enfatizo, porque nunca será demasiado, o fato de que não houve, jamais, motivação política subjacente ao seu intento histórico, conforme pode-se ler na própria Enciclopédia Britannica[2], que traduzo: “Deve-se notar, no entanto, que o próprio Gobineau estava preocupado com um exame acadêmico da mecânica da vida social humana, e não com programas políticos”.
Trago, de minha lavra, uma tradução mais exata dos Prefácios originais de Gobineau do francês, concluída originalmente em 2021, bem como uma apreciação de seu significado histórico ulterior pelo douto Francisco Susanna, editor da versão castelhana e diretor da Editorial Apolo de Barcelona de 1937.
DEDICATÓRIA DA PRIMEIRA EDIÇÃO (1854)
A Sua Majestade Jorge V, Rei de Hanôver.
Senhor: Tenho a honra de oferecer a Vossa Majestade o fruto de longas meditações e estudos favoritos, muitas vezes interrompidos, mas sempre retomados.
Os graves acontecimentos – revoluções, viravoltas jurídicas – que há muito agitam os Estados europeus, facilmente inclinam a imaginação para o exame dos fatos políticos. Enquanto o vulgo não considera senão os resultados imediatos do todo e só admira ou reprova as faíscas com que os interesses são feridos, os pensadores mais sérios procuram descobrir as causas ocultas de tão terríveis comoções e, traçando com lanterna à mão os caminhos obscuros da filosofia e da história, buscam na análise do coração humano a chave de um enigma que perturba tão profundamente às nações e aos espíritos.
Como todo mundo, experimentei a curiosidade inquieta despertada pela turbulência dos tempos modernos. Mas, aplicando todas as forças de minha inteligência ao estudo do problema, vi meu estupor, já demasiado grande, aumentar inda mais. Deixando, pouco a pouco, confesso, a observação da época atual pela dos períodos anteriores, e depois a de todo o passado como um todo, reuni esses vários fragmentos num quadro vasto e, guiado pela analogia, quase que me dediquei, a meu pesar, à adivinhação do mais remoto porvir. Não foram apenas as causas diretas de nossas supostas tempestades reformadoras que julguei valer a pena conhecer: aspirei a descobrir as razões mais elevadas dessa identidade dos males sociais que até o conhecimento mais imperfeito dos anais humanos nos permite reconhecer em todas as nações do passado e que são, segundo todas as conjecturas, análogas às das nações do futuro.
De resto, julguei ter notado, para tais obras, facilidades peculiares ao nosso tempo. Se isso, por suas agitações, convida a praticar uma espécie de química histórica, também facilita tarefas semelhantes. As nuvens densas, a escuridão profunda que nos ocultaram, desde tempos imemoriais, as origens de civilizações diferentes da nossa, afastam-se e dissipam-se no calor da ciência. Uma maravilhosa depuração dos métodos analíticos, depois de nos apresentar, através de Niebuhr[3], uma Roma ignorada por Tito Livio, revela e explica também as verdades, misturadas com relatos fabulosos, da infância helênica. Em outra parte do mundo, os povos germânicos, há muito desconhecidos, nos parecem tão grandes e majestosos quanto os escritores do Baixo Império os pintavam como bárbaros. O Egito abre seus hipogeus, traduz seus hieróglifos, confessa a idade de suas pirâmides. A Assíria mostra seus palácios e inscrições intermináveis, há não muito tempo enterradas sob os próprios escombros. O Irã de Zoroastro não soube ocultar as poderosas investigações de Burnouf[4], e a Índia primitiva nos conta, nos Vedas, eventos muito próximos ao tempo da Criação. Do conjunto dessas conquistas, já tão importantes em si mesmas, obtém-se uma compreensão mais exata e vasta de Heródoto, de Homero e, sobretudo, dos primeiros capítulos do Livro sagrado, esse abismo de afirmações cuja riqueza e retidão jamais admiraremos o suficiente quando é abordado com um espírito provido de luzes suficientes.
Tantas descobertas insuspeitas ou inesperadas certamente não estão imunes aos ataques da crítica. As listas das dinastias, o encadeamento regular dos reinados e dos fatos, apresentam graves lacunas.
No entanto, entre seus resultados incompletos, há alguns admiráveis para o trabalho que me interessa, e alguns mais proveitosos do que as tabelas cronológicas mais bem estabelecidas. O que me regozijo neles é a revelação dos usos, dos costumes, até dos retratos e do vestuário das nações desaparecidas. O estado de suas artes já é conhecido. Toda a sua vida, física e moral, pública e privada, é apreciada, e agora nos é possível reconstruir, com a ajuda dos materiais mais autênticos, o que forma a personalidade das raças e o principal critério de seu valor.
Diante de tal acumulação de riqueza inteiramente novas ou inteiramente conhecidas, a ninguém é permitido tentar explicar o complicado jogo das relações sociais, as razões do florescimento ou declínio das nações apenas com a ajuda de considerações abstratas e puramente hipotéticas que podem fornecer uma filosofia cética. Diante da abundância de fatos positivos que surgem por toda parte e brotam de todas as sepulturas e se levantam diante de quem tenta questioná-los, não é mais lícito ir, como os teóricos revolucionários, acumulando obscuridades para extrair deles seres fantásticos e tomar prazer em falar sobre quimeras em círculos políticos relacionados. A realidade, muito notória, muito premente, nos proíbe tais jogos, muitas vezes impróprios, sempre nefastos.
Para decidir judiciosamente sobre as personagens da humanidade, o tribunal da História é hoje o único competente. Ele é, aliás, reconheço, um árbitro severo, um juiz muito temível para ser evocado em tempos tão tristes como os que correm.
Não é que o passado não tenha mácula. Nele há de tudo, e por isso nos oferece a confissão de muitas faltas e descobrimos nele mais de um vergonhoso desfalecimento. Os homens de hoje poderiam até alardear alguns méritos que lhe faltam. Mas se, para refutar suas acusações, de repente lhe ocorrerem evocar as sombras grandiosas dos períodos heroicos, o que dirão? Se elas os repreenderem por terem comprometido a lei religiosa, a fidelidade política, o culto do dever, o que responderão? Se elas lhes disserem que não estão mais aptos a continuar o desenvolvimento de conhecimentos cujos princípios foram por elas reconhecidos e expostos; se elas acrescentarem que a velha virtude se tornou objeto de ridículo; que essa energia passou do homem para o vapor; que a poesia se extinguiu, que seus grandes intérpretes deixaram de existir; que o que chamamos de interesses se reduz ao que existe de mais mesquinho, o que há de se alegar?
Nada, senão que todas as coisas belas, mergulhadas no esquecimento, não estão mortas e dormitam; que todos os tempos conheceram períodos de transição, épocas em que o sofrimento luta com a vida e dos quais se liberta, enfim, vitorioso e resplandecente, e que, desde que a velha Caldéia foi substituída pela jovem e vigorosa Pérsia, a Grécia decrépita pela Roma viril e a dominação bastarda sobre Augusto pelos reinados dos nobres príncipes teutônicos, assim também as raças modernas conseguirão rejuvenescer.
Isso é o que eu mesmo esperei por um instante, um instante muito breve, e teria querido responder à História para confundir suas acusações e seus sombrios prognósticos, se não tivesse sido contido pela ideia avassaladora de que me precipitava em demasia ao avançar uma proposição deficiente de provas. Quis buscá-las, e me vi assim incessantemente levado, em minha simpatia pelas manifestações da humanidade vivente, a mergulhar cada vez mais fundo nos segredos da humanidade morta.
Foi quando, de induções em induções, tive que penetrar nesta evidência: que a questão étnica domina todos os demais problemas da História, constitui a chave para eles, e que a desigualdade das raças cuja concorrência forma uma nação basta para explicar toda a cadeia dos destinos dos povos. De resto, não há quem não tenha tido algum pressentimento de uma verdade tão manifesta. Todos puderam observar que certos grupos humanos, lançando-se em um país, outrora transformaram, por uma ação repentina, seus hábitos e sua existência, e onde, antes de sua chegada, reinava a torpeza, tornaram-se hábeis em fazer surgir uma atividade inusitada. É assim como, para citar um exemplo, foi comunicada uma nova energia à Grã-Bretanha com a invasão anglo-saxônica por um decreto da Providência que, ao conduzir àquela ilha alguns dos povos submetidos ao jugo dos ilustres ancestrais de Vossa Majestade, quis, como o observara um dia, muito sagazmente, uma pessoa augusta, dotar os dois ramos da própria nação com esta mesma Casa soberana, cujos direitos gloriosos provêm de tempos remotos da linhagem mais heroica.
Depois de reconhecer que existem raças fortes e raças fracas, dediquei-me a observar preferencialmente as primeiras, descobrindo suas aptidões e, sobretudo, traçando a cadeia de suas genealogias. Seguindo esse método, acabei me convencendo de que tudo o que há de grande, nobre e fecundo na Terra, em termos de criações humanas – ciência, arte, civilização – conduz o observador a um ponto único, isto é, não saiu senão de um mesmo germe, não terá emanado senão de um único pensamento, pertence apenas a uma única família cujos diferentes ramos dominaram todos os países cultos do universo.
A exposição desta síntese encontra-se no presente livro, cuja homenagem venho depositar aos pés do trono de Vossa Majestade. Não me foi permitido – e nem o intentei sequer – me afastar das regiões altas e puras da discussão científica para descer ao campo da polêmica contemporânea. Não tentei esclarecer nem o porvir do amanhã, nem o dos anos seguintes. Os períodos que traço são amplos e vastos. Começo pelos primeiros povos que existiram, para mergulhar mesmo naqueles que ainda não vivem. Eu só calculo por séries de séculos. Faço, numa palavra, geologia moral. Raramente falo do homem, ainda mais raramente do cidadão ou do súdito, mas com frequência e sempre das diferentes frações étnicas, porque para mim, nos cumes onde me situo, não se trata nem de nacionalidades fortuitas, nem mesmo da existência dos Estados, mas das diferentes raças, sociedades e civilizações.
Ao traçar essas considerações aqui, estou inflamado, Senhor, pela proteção que o vasto e sublime espírito de Vossa Majestade concede aos esforços da inteligência e pelo interesse mais particular com que ela honra as obras de erudição histórica. Jamais deixarei de conservar a memória dos preciosos ensinamentos que pude colher dos lábios de Vossa Majestade, e ouso acrescentar que não sei o que mais admirar, se o conhecimento tão brilhante e sólido, do qual o Soberano de Hanôver possui as mais variadas colheitas, ou o sentimento generoso e as nobres aspirações que as fecundam e que oferecem a seus povos um reinado tão próspero.
Cheio de inalterável apreço pela bondade de Vossa Majestade, rogo-lhe que aceite a expressão de profundo respeito com que me sinto honrado em ser, Senhor, o muito humilde e muito obediente servo de Vossa Majestade.
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO FRANCESA
Este livro foi publicado pela primeira vez em 1853 (volume I e volume II); os dois últimos volumes (volume III e volume IV) são de 1855. Na edição atual, nenhuma linha foi alterada, e não foi porque, neste intervalo, certos trabalhos não tenham progredido o suficiente nos detalhamentos. Mas nenhuma das verdades expostas por mim foi derrubada, e julguei necessário manter a verdade tal qual a descobri. Antigamente, não se nutria mais do que suspeitas muito tímidas sobre as raças humanas. Sentiu-se vagamente que era necessário escavar deste lado se se quisesse descobrir a base ainda desconhecida da História, e sentiu-se que dentro dessa ordem de noções apenas desbastadas, sob esses mistérios tão obscuros, deviam se encontrar a certas profundidades os vastos alicerces sobre os quais os pavimentos foram gradualmente erguidos, depois os muros – numa palavra, todos os desenvolvimentos sociais das multidões tão variadas que compõem o mosaico de nossos povos. Mas o caminho a seguir para chegar a alguma conclusão era desconhecido.
Desde a segunda metade do século passado, fundamentava-se em anais gerais e pretendia-se, no entanto, reduzir todos esses fenômenos expostos em série a leis fixas. Essa nova maneira de classificar tudo, de louvar, de condenar, por meio de fórmulas abstratas cujo rigor procuravam demonstrar, levava naturalmente à suspeita, sob o desenvolvimento dos fatos, de uma força cuja natureza nunca fora conhecida. A prosperidade ou o infortúnio de uma nação, sua grandeza e seu declínio, há muito que nos contentávamos em derivar das virtudes e dos vícios, aplicando-os ao ponto particular sob exame. Um povo honrado devia necessariamente ser um povo ilustre e, inversamente, uma sociedade que praticou com demasiada liberalidade o recrutamento ativo de consciências relaxadas, devia causar implacavelmente a ruína de Susa, de Atenas, de Roma, do mesmo modo que uma situação análoga havia trago o castigo final sobre as difamadas cidades do Mar Morto.
Girando semelhantes chaves, se acreditava ter aberto todos os mistérios; mas, na realidade, tudo permanecia fechado. As virtudes úteis aos grandes grupos sociais têm a oferecer um caráter muito particular de egoísmo coletivo que as diferencia do que se entende por virtude entre os indivíduos. O bandido espartano, o usurário romano eram figuras públicas de singular eficácia, embora, julgados do ponto de vista moral, Lisandro e Catão fossem indivíduos muito baixos; era necessário concordar com isso após reflexão e, consequentemente, se a virtude era elogiada em um povo e o vício era censurado com indignação em outro, era necessário reconhecer e confessar em voz alta que não era uma questão de méritos e deméritos que interessava à consciência cristã, mas de certas aptidões, de certas forças ativas da alma e até do corpo, que impeliam ou paralisavam o desenvolvimento da vida das nações, o que levava a perguntar por que uma delas podia o que a outra não podia, e assim foi-se obrigado a confessar que o fato era uma resultante da raça.
Durante algum tempo todos se contentaram com essa declaração, à qual não se sabia como dar a precisão necessária. Era uma palavra oca, uma frase, e nenhuma época jamais pagou por palavras ou ficou mais satisfeita com elas do que o presente. Uma espécie de curiosidade translúcida que comumente emana de palavras inexplicáveis foi projetada aqui pelos estudos fisiológicos e foi o suficiente, ou, pelo menos, se quis que assim fosse por algum tempo. Quanto ao resto, se temia o que viria a seguir. Sentia-se que se o valor intrínseco de um povo deriva de sua origem, era necessário restringir, talvez suprimir tudo o que chamamos de igualdade e, além disso, um povo grande ou miserável não poderia mais ser objeto de louvores ou censuras. Ocorreria o mesmo que ao valor relativo do ouro e do cobre. Diante de tais consequências, retrocedeu-se.
Admitir-se-ia nesses dias de paixão infantil pela igualdade, que entre os filhos de Adão existisse uma hierarquia tão pouco democrática? Quantos dogmas, tanto filosóficos como religiosos, se prestaram a protestar!
Nada obstante os titubeios, se seguia avançando; as descobertas se acumulavam e suas vozes explodiam e exigiam que não se delirasse. A geografia dizia o que estava diante de seus olhos; transbordavam as coleções de novos tipos humanos. A história antiga melhor estudada, os segredos asiáticos mais decifrados, as tradições americanas mais acessíveis do que nunca, tudo proclamava a importância da raça. Era preciso se decidir por penetrar a questão tal como ela é.
Nisto, apareceu um filólogo, R. Prichard[5], historiador medíocre, teólogo ainda mais medíocre, que, determinado acima de tudo a provar que todas as raças são iguais, sustentou que não havia motivo para ter medo e incutiu medo a si mesmo. Propunha-se não a saber ou a dizer a verdade das coisas, mas a tranquilizar aos filantropos. A esta tentativa acrescentou um certo número de fatos isolados, mais ou menos bem observados, e com os quais tentou pôr à prova a aptidão inata do negro moçambicano e do malaio das Ilhas Marianas para se tornarem personagens elevadas, por pouco que a ocasião se lhe permitisse. Sr. Prichard foi, no entanto, altamente elogiado pelo fato de que ele realmente lidou com a dificuldade. Ele o fez, é verdade, pelo lado mais fácil, mas ele o fez, e nunca podemos agradecê-lo o suficiente.
Então eu escrevi este livro. Desde o seu aparecimento, deu origem a inúmeras discussões. Seus princípios têm sido menos combatidos que suas aplicações e, sobretudo, que suas conclusões. Os defensores do progresso ilimitado não foram gentis com ele. O erudito Ewald[6] expressou a opinião de que era uma inspiração dos católicos extremistas; a escola positivista declarou-o perigoso. Enquanto isso, escritores que não são nem católicos nem positivistas, mas que hoje têm grande reputação, incógnitos, sem confessá-lo, introduziram os princípios e até partes inteiras do livro em suas obras e, em suma, Fallmereyer[7] não estava errado ao afirmar que eles são utilizados com mais frequência e mais amplamente do que se o reconhece.
Uma das ideias principais deste trabalho é a grande influência das misturas étnicas, ou seja, das ligações entre as diferentes raças. Foi a primeira vez que esta observação se estabeleceu e que, enfatizando os resultados do ponto de vista social, apresentou-se este axioma: que o produto da variedade humana da mistura valeria conforme o resultado do cruzamento obtido e que os progressos e retrocessos das sociedades são apenas efeitos dessa travessia. Daí derivou a teoria da seleção, que ficou famosa nas mãos de Darwin e mais ainda em seus discípulos. Disso se originou, entre outros, o sistema de Buckle[8], e pela distância considerável que existe entre as opiniões deste filósofo e as minhas, é possível medir o relativo afastamento dos caminhos que dois pensamentos hostis traçam mesmo vindos de um ponto comum. Buckle foi interrompido em seu trabalho pela morte; mas o sabor democrático de seus sentimentos deu-lhe, nestes tempos, um sucesso que tanto o rigor de suas deduções quanto a solidez de seu conhecimento estão longe de justificar.
Darwin e Buckle criaram assim os principais braços do rio que eu abri. Muitos outros simplesmente tomaram como próprias a certas verdades, copiadas do meu livro, misturando-as mais ou menos habilmente com as ideias hoje em voga.
Deixo, portanto, meu livro tal como o fiz, sem mudar-lhe absolutamente nada. É a exposição de um sistema, a expressão de uma verdade, hoje para mim tão diáfana e indubitável como quando a professei pela primeira vez. Os progressos do conhecimento histórico não me fizeram mudar de opinião de nenhuma maneira ou em qualquer grau. As minhas convicções de outrora são as mesmas de hoje, não oscilaram nem para a direita nem para a esquerda, e continuaram a ser como brotaram desde o primeiro momento. Aquisições sobrevindas da esfera dos fatos em nada as prejudicaram. Os detalhes se multiplicaram, o que me compraz. Nada foi alterado dos resultados obtidos. Sinto-me satisfeito de que os testemunhos trazidos pela experiência tenham vindo a demonstrar em sumo grau a realidade da desigualdade das raças.
Confesso que poderia ter ficado tentado a unir meu protesto a tantos outros que se levantam contra o darwinismo. Felizmente, não me esqueci de que meu livro não é uma obra de polêmica. Seu objetivo é professar uma verdade e não combater erros. Devo, portanto, resistir a todos os caprichos belicosos. Pelo mesmo motivo, abster-me-ei também de contestar essa suposta demonstração de erudição que, sob o nome de estudos pré-históricos, não deixa de fazer bastante barulho. Nesse tipo de trabalho, a regra, sempre fácil, é ignorar completamente os documentos mais antigos de todos os povos. É uma forma de se considerar livre de toda referência; declara-se assim a tábula rasa, e nos sentimos perfeitamente autorizados a preenchê-la como bem entendermos, valendo-nos das hipóteses mais convenientes e preenchendo com elas todas as lacunas. Assim, dispomos tudo ao nosso gosto e, com a ajuda de uma fraseologia especial, computando os tempos por Idade da Pedra, Idade do Bronze, Idade do Ferro, substituindo a névoa geológica por nada surpreendentes aproximações da cronologia, conseguimos situar o espírito num estado de superexcitação, que permita tudo imaginar e tudo achar admissível. Destarte, em meio às mais fantásticas incoerências, buracos, grutas, cavernas de aspecto extremamente selvagem são postos a descoberto, repentinamente, a todos os rincões do globo terrestre, de onde saem espantosos montes de fósseis de crânios e tíbias, restos comestíveis, conchas de ostras e ossadas de todos os animais possíveis e impossíveis, esculpidos, gravados, riscados, polidos e não polidos, machados, pontas de flechas, ferramentas inominadas; e todo o colapso sobre as imaginações excitadas, em meio à retumbante fanfarra de pedantismo incomparável, os enche de tal espanto que os adeptos podem sem escrúpulos, com Sir John Lubbock[9] e Sr. Evans[10], heróis de tais trabalhos rudes, atribuir a esses objetos uma antiguidade, ora de cem mil anos, ora de quinhentos mil, diferenças de tempo para as quais nenhuma explicação pode ser encontrada.
É preciso saber respeitar aos congressos pré-históricos e suas diversões. Os aficionados cessarão assim que seus excessos e ânimos chegarem a um ponto de exaustão e reduzirão a pó a essa loucura. A partir dessa reforma indispensável, os machados de sílex e as facas de obsidiana serão finalmente retirados das mãos dos antropoides do professor Haeckel[11], que tão mau uso fazem deles.
Essas fantasias, digo, cessarão por si mesmas. Já as vemos cessando. A Etnologia precisa passar por essas loucuras antes de se tornar sã. Houve um tempo, não muito distante de nós, em que os preconceitos contra uniões consanguíneas eram tão extremos que precisavam ser consagrados em lei. Casar-se com uma prima de primeiro grau equivalia a condenar todos os filhos à surdez e outras condições hereditárias. Ninguém se dava conta de que as gerações anteriores à nossa, altamente propensas às uniões consanguíneas, não tivessem experimentado as mórbidas consequências que lhes são atribuídas; que os seljúcidas, os ptolomeus, os incas, esposos de suas irmãs, possuíam cada um uma saúde esplêndida e uma inteligência altamente estimável, deixando de lado sua beleza, geralmente excepcional. Fatos tão contundentes, tão irrefutáveis, não podiam convencer a ninguém, pois tentavam usar à força as fantasias de um liberalismo que, não gostando da capitularidade exclusiva, era contrário à toda pureza de sangue, e aspirava tanto quanto possível a celebrar a união do negro e do branco, de onde provém o mulato. O que devia ser demonstrado como perigoso e inadmissível era uma raça que não se unia nem se perpetuava senão consigo mesma. Uma vez que se desviara o bastante, as experiências inteiramente decisivas do Dr. Broca[12] destruíram para sempre um paradoxo ao qual fantasmagorias do mesmo calibre logo se juntarão.
Deixo, repito-o, estas páginas, conforme as escrevi na época em que a doutrina que encerram brotou do meu espírito, como um pássaro que põe a cabeça para fora do ninho e procura a sua rota no espaço ilimitado. Minha teoria tem sido o que é, com suas fraquezas, suas forças, sua precisão e seus erros, análoga a todas as suposições humanas. Levantou voo e continua. Não tentarei encurtar ou alongar suas asas, e muito menos retificar seu voo. Quem me prova que hoje eu o dirigiria melhor e, sobretudo, alcançaria maiores alturas nas regiões da verdade? O que eu acreditava ser exato, continuo a estimar como tal e, portanto, não tenho razão para introduzir nisto qualquer alteração.
Este livro é, portanto, a base de tudo o que pude fazer e farei no futuro. De certa forma, comecei-o desde a infância. É a expressão dos instintos contribuídos por mim ao nascer. Desde o primeiro dia em que refleti, e refleti muito cedo, ansioso por compreender a minha própria natureza, fortemente impressionado por esta máxima: “Conhece-te a ti mesmo”; não julguei que pudesse me conhecer sem saber como era o ambiente em que ia viver e que, em parte, me inspirava a mais apaixonada e terna simpatia, e, em parte, me enojava e me preenchia de ira, desprezo e horror. Tenho, portanto, feito o possível para penetrar na análise do que chamamos, de forma mais geral do que o conviria, a espécie humana, e a este estudo devo o que aqui exponho. Lentamente, a observação mais detalhada e meticulosa das leis estabelecidas por mim surgiu dessa teoria. Comparei as raças entre si. Escolhi uma dentre o que encontrei de melhor e escrevi a História dos Persas, para mostrar, com o exemplo da nação ariana mais isolada de todas as suas congêneres, quão importantes são as diferenças de clima, de vizinhança e as circunstâncias do tempo para mudar ou refrear o temperamento de uma raça.
Terminada esta segunda parte da minha tarefa, pude enfrentar as dificuldades da terceira, causa e objetivo do meu interesse. Tracei a história de uma família, de suas faculdades recebidas desde sua origem, de suas aptidões, de seus defeitos, das flutuações que influenciaram seu destino, e escrevi a história de Ottar Jarl, pirata norueguês, e de seus descendentes. Foi assim que, depois de retirar a casca grossa, espinhosa e verde da noz e depois a casca lenhosa, expus o caroço, o núcleo. A via que percorri não conduz a um desses promontórios escarpados onde o terreno se abre, mas a uma dessas planícies estreitas, onde, com a rota aberta diante de si, o indivíduo herda os resultados supremos da raça, seus instintos bons ou maus, fortes ou fracos, e desenvolve livremente sua personalidade.
Hoje amamos as grandes unidades, os vastos conjuntos em que desaparecem as entidades isoladas. Nós a conceituamos como um produto da ciência. Em cada época, ela quis devorar a alguma verdade que estivesse em seu caminho. Não há razão para temê-lo. Júpiter sempre escapa à voracidade de Saturno, e o marido e o filho de Reia, ambos deuses, reinam, incapazes de se destruir mutuamente, sobre a majestade do Universo.
GOBINEAU E SUA OBRA, POR FRANCISCO SUSANNA (1937)
Em todos os lugares do mundo se fala, agora, do presente livro. Não há, de fato, na atualidade, uma obra mais apaixonante para o leitor médio na Europa e na América e que provoca debates tão acalorados nos centros intelectuais e políticos das principais nações. E, no entanto, este ensaio, cujas teses originais são hoje universalmente divulgadas, permaneceu por mais de meio século no mais completo esquecimento, mesmo no país onde viu a luz, ou seja, na França, sempre tão curiosa e aberta a todas as ideias.
Do escassíssimo interesse despertado entre os contemporâneos de Gobineau pelo “Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas”, pedra angular do pensamento gobineano, vem a indicação clara da indiferença geral com que a notícia da morte de seu autor foi recebida na França, ocorrendo de repente em um hotel de Milão em outubro de 1882. Nem uma única voz se levantou então para pedir que o ilustre escritor recebesse a homenagem obrigatória, que, nesse trânsito supremo, nunca é regateada por grandes talentos, nem mesmo por aqueles que eram mais hostis para com eles. A indiferença de seus contemporâneos foi absoluta perante, senão sua obra magistral, a sua obra-prima.
Recentemente, comentando o fato, a própria neta de Gobineau argumentou que sem dúvida então não havia quem percebesse que um dos espíritos mais controversos, mas também dos mais sedutores e fecundos do século XIX, acabava de desaparecer. Aconteceu, porém, deste modo – apesar da simpatia calorosa que suscitava no vasto mundo e, sobretudo, nos salões do Faubourg Saint-Germain, do vivíssimo afeto que por ele sentia uma sociedade cosmopolita nas grandes capitais, e da profunda admiração de diplomatas, poetas e estudiosos de todos os países. Por quê?
A explicação deve ser encontrada não apenas na ousada novidade das ideias expressas em seus livros e muito particularmente em seu “Ensaio”, mas também em certas singularidades do caráter de Gobineau. Sabe-se, com efeito, que esta obra acaba por ser, do princípio ao fim, a antítese perfeita das opiniões então vigentes, nomeadamente na França. Para nos referirmos apenas a algumas de suas teses mais importantes, destacaremos, por um lado, a admiração de Gobineau pela cultura e tradições da Ásia e, por outro, seu engouement pelos valores aristocráticos. Quanto ao primeiro, afirmou que é lá, na Ásia, e não na Grécia, que deve ser descoberto o verdadeiro berço da ciência e da civilização, e que o gênio da Ásia constitui uma força à qual o resto do mundo deve sentir-se reconhecido, pois a ela deve tudo o que possui e possuiu na alta esfera intelectual. Quanto a este último – e aqui roçamos na ideia principal do Ensaio –, ele sustentou que são os núcleos racialmente selecionados, e não as multidões “bastardeadas” pelas misturas, que decidem o destino das nações, ou seja, que a prosperidade humana baseia-se na sobreposição, no mesmo país, de uma raça de vencedores e de uma raça de vencidos, tese da qual deriva aquela atitude anticristã que, antecipando Nietzsche, o levou a considerar o amor pelos caídos, pelos humildes, pelos impotentes, uma nescidade. Mas a essas aparentes boutades ou genialidades, que ninguém poderia levar a sério em seu tempo, devemos acrescentar sua altivez incorruptível, à prova de bajulação, e irrefutável inclinação para lançar à face de seus compatriotas os julgamentos mais irreverentes e irritantes. “Não existe uma raça francesa”, dizia ele; “de todas as nações da Europa, a nossa é aquela em que o tipo aparece mais indistinto.” O divórcio entre Gobineau e seus contemporâneos era inevitável.
Vimos, então, que este “Ensaio” foi radicalmente contra os dogmas universitários e a ciência oficial de seu tempo, e também – o que era ainda mais grave – contra o “misticismo” democrático então em voga. E se o primeiro fechou as portas a Gobineau de todos os cenáculos e coteries onde se mendigam e se afirmam reputações, o segundo teve de alienar a curiosidade e a simpatia do grande público. O próprio Renan, que tão abertamente reconhecia seus altos méritos e qualidades, estava longe de aceitar sua tese paradoxal, e sobretudo aquela em que negava a grandeza moral e social de Roma e a primazia intelectual da Grécia, até então reconhecida pelos mais sábios eruditos, esclarecidos de todos os países, para conferir à Ásia a paternidade da civilização. Ainda mais distanciados que Renan, a ponto de manter o mais implacável dos silêncios, se mostravam a ele quase todos os outros escritores de seu tempo, que não podiam levar em conta suas estranhas concepções em que tão mal se saíam aqueles princípios pelos quais todo o século XIX ofertou verdadeiro culto. À fé na liberdade, no progresso, na democracia, que eram o dogma daqueles tempos, Gobineau opôs um determinismo obscuro, uma decadência inevitável, resultante dos elementos constitutivos dos povos, e, como reativo, um aristocratismo paradoxal. Mas o fato de que a inevitabilidade da constituição humana pesava não só sobre os indivíduos, mas também sobre as raças e que, portanto, todas as ideias de progresso e liberdade moral tiveram de ser postas de lado, repelia e continua a repelir os espíritos liberais. Gobineau estava nos antípodas da geração de sua época, e seu “Ensaio” estava condenado de antemão.
Deve-se, no entanto, inferir disso que ela permaneceu literalmente ignorado até nossos dias? De modo algum. Na própria França tinha seus devotos, poucos, é verdade, mas de estatura considerável, entre os quais se destacavam Paul Bourget, Albert Sorel, Ernest Seilière, Remy de Gourmont, Romain Rolland, Paul Souday... E muito antes da Grande Guerra – no ano de 1904 –, Robert Dreyfus, na École des Hautes Études Sociales, comentou a doutrina gobinista em várias conferências que suscitaram enorme entusiasmo. No entanto, não foi além disso, ou seja, não foi possível ir além do pequeno círculo de uma minoria seleta.
E que dizer da Alemanha e outros países? Neles os admiradores e seguidores já eram mais numerosos. Especialmente na Alemanha, o nome e a doutrina de Gobineau passaram a constituir, em certos centros intelectuais e políticos, um verdadeiro culto. Isso aconteceu a partir de 1870, data em que o autor do “Ensaio” foi descoberto por Richard Wagner e seus discípulos. Gobineau foi então “adotado” pela Alemanha, com a grande contribuição do velho wagneriano Schemann, que, em 1894, sob o patrocínio do Ph. von Eulenburg e Hans von Wolzogen, realizou a fundação do “Gobineau Vereinigung” (União Gobinista). Pouco depois, em 1898, o próprio Schemann, reputado como o grande arquiteto do gobinismo tudesco, concluiu a tradução do “Ensaio”. Foi precisamente naquela época quando Nietzsche estava no apogeu de sua fama e em que se deu sua “imoralista” apologia ao homem de ação, em íntima ligação com a exaltação gobiniana do homem ariano, que surgiu no nevoento horizonte intelectual da Alemanha a silhueta do Übermensch, o sobre-homem. Mas foi também – é preciso dizê-lo! – na mesma época em que trovejavam do alto os escritores pangermanistas. Em tal ambiente, saturado de megalomania, um professor alemão pôde declarar que Gobineau era a corrente profunda que fazia vibrar a vida espiritual contemporânea em torno de Nietzsche. Essa foi, certamente, uma consequência absurda, que deixavam desmentidas as fatídicas conclusões do “Ensaio”, mas que não deixava de ser também a consequência natural e obrigatória de certas teses ali defendidas.
Com efeito, Gobineau, depois de ter proclamado a preexcelência da raça ariana, isto é, da “raça branca”, estabeleceu que os arianos germânicos, de temperamento muito enérgico, eram os “pionners” da civilização moderna; afirmou que estes, com a contribuição de seu sangue, ainda não manchado pelo “melanismo”, libertaram a civilização romana de seu colapso total. “Muito longe de destruir a civilização – diz – , o Homem do Norte salvou o pouco que dela sobreviveu. Nada foi negligenciado para restaurar esse pouco e dar-lhe todo seu brilho. Foi sua inteligente solicitude que a transmitiu a nós e que, sob a proteção de seu gênio particular e de suas invenções pessoais, nos ensinou a extrair dela nosso tipo atual de cultura. Sem ele não seríamos nada.” Com isto Gobineau infligiu uma retumbante contraposição a Tácito que, um dos primeiros a fazê-lo, classificou os alemães de bárbaros, e depois a Goethe que, na virada do século XVIII, em suas “Conversas com Eckermann” emitiu uma opinião análoga à do autor dos Anais.
Desde cedo, o problema das raças foi estudado por Gobineau de uma forma muito objetiva. Realizado o descobrimento com o interesse de um homem de ciência, nem remotamente pensou na possibilidade de que o fato pudesse lisonjear a uma determinada nação. O autor do “Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas”, para quem o conceito de pátria era completamente sem sentido, julgava as nações por uma única categoria: a da raça. E deste ponto de vista é muito natural que, de acordo com a classificação por ele estabelecida das três raças primordiais da espécie humana e sua respectiva influência na marcha da civilização, ele demonstre admiração pelos povos escandinavos, anglo-saxões e germânicos, por entender que eram os povos brancos racialmente mais puros da Terra, ou seja, menos abastardados por misturas com outras raças. Contudo, bastou o fato de Gobineau proclamar a superioridade racial desses povos para que na Alemanha, orgulhosa da vitória alcançada em sua guerra contra a França, certos grupos tentassem tirar dela consequências políticas, estranhas ao pensamento gobiniano e que Gobineau teria certamente rejeitado. Tal desvirtuamento da doutrina do “Ensaio” não ocorreu nos países escandinavos ou no Reino Unido, apesar de também ter sido incluída entre as raças mais puras; e é que em nenhum deles se deu uma importância exagerada à descoberta das raças. Deve-se assinalar, porém, que mesmo na própria Alemanha, que é onde o gobinismo atingiu o maior número de prosélitos, a teoria das raças estava longe de merecer o crédito que, na opinião de seus adeptos, tinha plenos direitos e que mais tarde tinha de ser-lhe reconhecido.
Foi preciso a Grande Guerra para chamar a atenção do público para a doutrina gobiniana, mesmo na França e na maioria dos demais países. Os combates sangrentos na linha da frente levaram ambos os lados a meditar sobre o estranho destino que levou metade do mundo a pegar em armas contra a outra. Algo mais do que os antagonismos políticos vulgares de uma nação contra a outra se revelava aos olhos de todos; maior do que a própria vontade dos povos beligerantes parecia ser o fator determinante naquela terrível guerra que ameaçava enterrar a Europa de uma vez por todas. Mais do que uma luta entre nações, assemelhava-se a uma verdadeira luta entre raças, na qual se dizia que o porvir da civilização estava em jogo. Além disso, nos campos de batalha do nosso continente reuniram, como sabem, as principais variedades étnicas do globo: brancos, negros, amarelos... E essa coexistência forçada, nas linhas da frente e mesmo na retaguarda, de indivíduos racialmente tão diversos ofereceu aos espíritos menos perspicazes os espetáculos e experiências dos mais surpreendentes, revelando as diferentes modalidades de cada raça e as suas respectivas capacidades espirituais. Só isto foi suficiente para que a tese da desigualdade das raças humanas, até então ignorada ou pouco menos que isso, se tornasse muito atual. Foi então que, para a geração mais jovem, atraída pelas controvérsias em torno do nome de Gobineau, a novíssima doutrina das raças constituiu uma revelação. Imediatamente o presente “Ensaio” alcançou uma voga extraordinária e definitiva: o livro penetrou todos os países e em todas as consciências.
Chegados a este ponto, é necessário que abordemos e comentemos integralmente as teorias nele desenvolvidas.
O “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas” estabelece pela primeira vez o fato de que na constituição e desenvolvimento das antigas civilizações e sociedades modernas o que desempenha um papel eminentíssimo, senão exclusivo, é a raça. Deve-se dizer que esta foi a grande, a única descoberta de Gobineau. Para Gobineau, cuja visão ultrapassa, como dissemos, a concepção estreita e mesquinha da divisão do planeta em nações, impõe-se uma única classificação: a das raças.
Todo o resto é, para ele, sobreposto, artificial, sem consistência. Na base dos povos não há forma de sociedade, nem pensamento nacional, mas pura e simplesmente “a pigmentação de uma pele, o ângulo de um perfil, a forma de um olho, etc.”. O autor coloca-se assim bem acima do insignificante debate dos príncipes e dos “condottiere” do eterno tabuleiro de xadrez das nações. Em seu “Ensaio” são todos os continentes que estremecem e colidem uns com os outros, como que movidos por uma força cósmica. Gobineau descobre os grandes segredos das mais remotas convulsões políticas, as causas íntimas que minam os fundamentos daqueles impérios e civilizações hoje desaparecidos, o destino das nações submetidas a uma maior ou menor dosagem de sangue ariano ou “melaniano”. Sua visão soberana repousa nas distâncias mais nebulosas, mergulhando nos recessos do passado, e ali decifra os enigmas mais impenetráveis. Romain Rolland[13] que, a despeito de suas efusões democráticas, sente-se tão afim de Gobineau, particularmente quando se trata de ferir a “cette creuse et ridicule marionette que l´on appelle la Patrie”[14], lhe reconhece sem pestanejar essa faculdade de ver como nenhum outro à distância. Ele diz: “Esse homem de espírito tão fino para penetrar a vida mutável das almas individuais, esse homem com olhos de águia para abranger os vastos horizontes dos séculos, mais profundos que Montesquieu e mais sutis que Stendhal, quase que invariavelmente colidirá com os eventos do presente e do futuro imediato... Na história, foi sacerdote. Ele via Sula melhor do que Cavour. E a Bismarck.” Olhando, então, aos últimos confins do passado, acessíveis aos seus alunos, ele conseguiu descobrir, empunhando sempre o cetro da civilização e brandindo por toda parte a tocha sagrada ao “antropoide” perfeito, o Homem Ariano...”
O Homem Ariano! Segundo Gobineau, a raça ariana é a raça “pur sang” da humanidade, a mais bem armada para a luta pela existência, a mais bela, a mais enérgica e a que contém a maior soma de gênio criativo: uma raça hoje inteiramente extinta por seu cruzamento com as outras. Nos primórdios do mundo existiam, ao lado da raça ariana, de “uma brancura deslumbrante”, outras raças brancas e também amarelas e negras, todas destinadas a vegetar se não fossem fecundadas e tomadas sozinhas pelo ariano. Usando um símile agradável a Gobineau, destinado a sugerir o valor peculiar de cada uma das três raças fundamentais, diremos que nessa mistura ou cruza, o ariano simboliza a seda, o amarelo a lã e o negro o algodão.
O ariano trouxe a energia, aa perseverança, o idealismo, a honra, o amor viril pela guerra, o sentido moralizador da vida, a ordem. O amarelo, com sua pele lívida grudada nos ossos e sua máscara embrutecida e triste, trazia o sentido prático, atento apenas ao lado útil das coisas. O negro, com sua sensualidade e imaginação bestiais, forneceu o lirismo.
Frente a estas duas últimas raças, e governando os destinos do mundo, se sobressai o branco. É este, por excelência, o elemento criador. Síntese suprema da espécie humana, culminação perfeita – oh, mãos de Pascal! – do clássico “junco pensante”, possui ele o duplo gênio da ação e da razão; dele procedem os grandes sistemas cosmológicos, as vastas criações espirituais e também as descobertas na esfera do útil aplicado ao ideal. Misturado com os outros elementos, atua como catalisador, potencializando-os e elevando-os ao seu mais alto grau de poder. Ela os potencializa, é verdade, como um valor étnico, mas é à custa de si mesmo, posto que com isso a pureza de sua ancestralidade sai prejudicada.
Disso decorre a degeneração da raça branca, que gradualmente se mostra mais mesclada, mais impura, mais débil e menos apta às funções elevadas a que sua natureza primitiva a destinava. E, no entanto, o branco, o sal da espécie humana, precisa do negro para sentir sua sensibilidade e imaginação, que são as faculdades reitoras da produção artística, por sua vez despertadas; “precisa”, diz ele, “do impulso estético inconsciente dos negros para poder criar”. Gobineau justifica a necessidade dessa cópula dizendo: “A fonte de onde surgiram as artes é estranha aos instintos civilizadores. Está oculto no sangue dos negros. Esse poder universal da imaginação que vemos envolver e permear as civilizações primitivas não tem outra causa senão a influência cada vez maior do princípio “melaniano”. Assim, ele afirma que a influência das artes sobre as artes será sempre na proporção direta da quantidade de sangue negro infundido em suas veias, e que a exuberância da imaginação será tanto mais intensa quanto maior for a extensão que o elemento melaniano ocupa na composição étnica dos povos. Mas também do amarelo necessita o branco para captar uma soma maior de sentido utilitário; com o qual ele perde igualmente, por outro lado, já que isso o obriga a descer de sua posição suprema e, portanto, a deixar suas qualidades nativas bastardeadas.
Assim, tão logo o ariano emigra de sua terra natal – o Irã – para fundar, aqui e ali, agrupamentos progressivos; assim que seu espírito guerreiro e dominador, sempre em busca de conquistas, o leva a misturar-se com outros povos de raça diferente à sua, ele os melhora sensivelmente, mas sensivelmente empobrece-se também. Essa mistura, no mais indispensável, traz consigo um germe de degeneração, de morte. Se eles não capturarem um novo influxo de sangue ariano, o empobrecimento dos vários agrupamentos inevitavelmente se seguirá. E como esse fluxo de sangue ariano é impossível, já que, segundo o próprio Gobineau, não resta mais um ariano puro na face da Terra, a humanidade está fatalmente condenada a um declínio gradual, até o dia, felizmente ainda muito distante, em que se extingue completa e definitivamente. O Dies irae, com suas agonias lúgubres, é assim o cântico reservado aos futuros descendentes das gerações presentes. Tal é a arrepiante conclusão do “Ensaio”.
A teoria das raças assim concebida parece atingir sua máxima dificuldade em nossos dias. E, falsa ou verdadeira – coisa que não cabe a nós descobrir – a verdade é que, bastante distorcida, hoje tem milhares de prosélitos em todos ou quase todos os países do mundo. Naturalmente, a paixão política não foi estranha a isso. Porque com a doutrina das raças acontece hoje que é reivindicada pelos partidos mais opostos e, sobretudo, pelos nacionalistas. Assim vemos que a ideia racista nos Estados Unidos, o nazismo na Alemanha, o kemalismo na Turquia, o britanismo, etc., são direta ou indiretamente inspirados pelo gobinismo.
Por sua vez, os escandinavos, descendentes dos antigos vikings, ensinam em suas universidades que Gobineau os considerava os mais puros sobreviventes da raça ariana. Também na América Latina, partidários do hispanismo ou pelo menos de suas tradições, confrontados com negros e índios, aduzem, em defesa de sua hegemonia, argumentos mais ou menos relacionados ao gobinismo. Mesmo na Ásia penetraram as novas teorias, que os bolcheviques puderam experimentar muito de perto em sua tentativa, sempre frustrada, de penetrar nas multidões orientais.
Tudo isso não importaria se fosse apenas a vaidade que, em cada povo, se sentisse emulada. Infelizmente, o que estamos comentando é a causa de que certas nações, sob o pretexto de preservar a pureza de seu tipo étnico, se encerram em um nacionalismo agressivo, com espasmos de xenofobia muito perturbadores. Mas isso não pode ser imputado ao autor do “Ensaio”. Porque o fato de o nome de Gobineau, como alguém disse, cobrir atualmente, em certos países europeus, as mercadorias mais suspeitas, não pode redundar no descrédito de tudo o que há de positivo em sua doutrina das raças. De qualquer forma, e para mostrar como ela pode ser mantida, apesar de todas as mistificações políticas, observaremos que a ideia de democracia também encontra os argumentos mais sólidos e decisivos na doutrina das raças. Isso explica por que Gobineau pode ter sido admiravelmente bem recebido pelos próprios caudilhos do proletariado. Veja-se de que natureza são esses argumentos: “A medida que, segundo a teoria das raças, as coletividades humanas são misturadas, as elites são pouco a pouco distorcidas e as massas populares ascendem, até atingir o nivelamento das classes e o advento natural da democracia”. De modo que a doutrina étnica de Gobineau, pessimista na medida em que defende a aristocracia, e a teoria econômica de Karl Marx, otimista, como bandeira do proletariado, partindo uma e outra de polos extremos, acabam por encontrar-se. O argumento é impecável.
De resto – é necessário que também o assinalemos –, esta doutrina não é tão definitiva como a extraordinária fama de que goza atualmente nos faz supor. Objeções bastante sérias podem ser feitas e já foram feitas contra ela, as quais, se não comprometem de forma alguma o princípio básico da doutrina, ou seja, o papel preponderante das raças no desenvolvimento da cultura e das civilizações, mostram, no entanto, que a teoria sofre de incoerência e incompletude. É, por exemplo, uma objeção que, segundo o próprio Gobineau, as civilizações brancas são as que menos duram; outra, que uma raça como a japonesa, classificada entre aquelas caracterizadas por sua apatia e imobilidade, subitamente se levantou para rejeitar à força o maior império do mundo, após um maravilhoso renascimento de sua vida nacional, no qual demonstrou ter assimilado todo o progresso e avanços do Ocidente; outra, que na China, após um tumultuoso despertar que ainda está acontecendo, os antigos privilégios do agora espalhado Império Celestial foram quebrados; ainda outra objeção, que a democracia se desenvolveu tão intensamente na América do Norte, apesar de ser muito pouco “melanizada”; outra, que foi a Espanha, tão fortemente melanizada e semitizada, que durante um século dominou toda a Europa pelas armas e antecipou o ariano na conquista do continente americano; outra, finalmente, que a França, a mais melanizada das nações do noroeste europeu, conteve a Germânia, muito mais branca do que ela, durante quinze séculos nos limites de suas florestas... o essencial da doutrina, a saber, a irredutível desigualdade das raças, a extinção gradual dos grupos racialmente superiores e, finalmente, o declínio e talvez o fim do mundo civilizado, conclusões, aliás, que estão longe de justificar a menor sombra de otimismo, muito menos o otimismo daqueles que pretendem – iludidos! – reivindicar para seu povo a nobreza e as virtudes da extinta raça ariana. Felizmente – e que sirva de conforto aos leitores – a humanidade nunca foi inteiramente escrava de seus instintos como as espécies inferiores o mostram sê-lo, e no presente caso, como em tantos outros, soube encontrar na sua inteligência privilegiada o instrumento adequado para reagir eficazmente a esse suposto perigo, restituindo a vitalidade da espécie. Temos um exemplo admirável disso, por um lado, no florescimento dessa ciência tão nova, a eugenia, na qual os biólogos hoje depositam todas as suas esperanças e que, usando a formidável força da hereditariedade, juntamente com a força, ainda mais formidável, encerrada no átomo, propõe-se a alcançar a reformulação da humanidade no sentido de aperfeiçoamento humano em todas as ordens de vida; por outro, na forma como, perante o pessimismo inscrito no coração do “Ensaio”, reagem as novas gerações, ávidas por sobrepor-se a todo fatalismo e por mais uma vez impor à matéria os ditames de um espírito criativo e livre que tantas maravilhas já proporcionou, durante a última metade de século, no campo da atividade científica e que contém tantas possibilidades, mesmo na ordem moral, impulsionada por seu desejo inesgotável de melhoramento e poderio.
Em resumo, então, diremos que, embora a teoria das raças não seja isenta de falhas e mesmo que as consequências dela extraídas tenham sido muito diferentes daquelas que se poderia esperar dos princípios em que se baseia, estas não foram de modo algum invalidadas. As grandes diretrizes que o gênio de Gobineau deu ao problema das raças permanecem em sua totalidade. E isso é reconhecido pelo próprio Elie Faure[15], que é quem levantou o maior número de objeções à doutrina. Fora isso, como estudo psicológico das raças, o livro é de inegável profundidade e verdade. Nesse aspecto, as perspectivas que o autor projeta diante de nossos olhos são tais que devemos necessariamente reconhecer como fundamentada a opinião segundo a qual ninguém pode se gabar de conhecer verdadeiramente sua própria pátria, seja ela qual for, nem no passado nem no presente, a menos que se tenha percorrido uma a uma as páginas deste “Ensaio”.
NOTAS
[1] VALENTIN, V. História universal. 6. ed. Trad. E. de L. Castro. São Paulo: Martins, 1962. Tomo V.
[2] ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. Arthur de Gobineau. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Arthur-de-Gobineau. Acesso em: 01 maio 2023.
[3] Barthold Georg Niebuhr (1776-1831), historiador alemão.
[4] Eugène Burnouf (1801-1852), orientalista francês.
[5] James Cowles Prichard (1786-1848), médico inglês.
[6] Georg Heinrich August Ewald (1803-1875), teólogo alemão.
[7] Jakob Philipp Fallmerayer (1790-1861), escritor alemão, difusor de ideias similares às de Gobineau.
[8] Henry Thomas Buckle (1821-1862), historiador inglês, buscou compreender as leis que determinam o destino das nações.
[9] John Lubbock (1834-1913), pesquisador e diplomata inglês.
[10] Arthur John Evans (1851-1941), arqueólogo inglês.
[11] Ernst H. P. A. Haeckel (1834-1919), zoólogo alemão, divulgador das ideias de Charles Darwin.
[12] Pierre Paul Broca (1824-1880), médico francês, estudioso de populações semíticas.
[13] Romain Rolland foi um escritor, biógrafo e músico francês. Recebeu o Nobel de Literatura de 1915. Foi professor de História da Arte na École Normale de Paris e professor de História da Música na Sorbonne. Foi também um reconhecido crítico de música.
[14] Do francês: “Esta marionete oca e ridícula que se chama de Pátria”.
[15] Jacques Élie Faure (1873-1937), médico e ensaísta francês, ativista socialista.
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