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"O Judaísmo na Música", um ensaio por Richard Wagner - Tradução de J. O. Bilda: Imagem

"O JUDAÍSMO NA MÚSICA", UM ENSAIO POR RICHARD WAGNER - TRADUÇÃO DE J. O. BILDA

"O Judaísmo na Música", um ensaio por Richard Wagner - Tradução de J. O. Bilda: Texto

Wilhelm Richard Wagner (1813-1883) foi um compositor romântico e nacionalista alemão, maestro, diretor e polemista, revolucionário da música clássica mundial. Produziu os libretos e música de todas as suas obras. Criou conceitos de teoria musical como Leitmotiv e Gesamtkunstwerk. Sua obra máxima é a tetralogia Der Ring des Nibelungen. Sua única ópera de tema exclusivamente político é Rienzi, der letze der Tribunen de 1840, que no Brasil foi traduzida e legendada em vídeo por mim.


Os escritos críticos de Wagner sobre os judeus, etnônimo presente na mentalidade europeia sob a forma de Ahasverus[1], corresponderam a algumas tendências de pensamento existentes na Alemanha durante o século XIX. Há sugestões frequentes de que estereótipos antijudaicos são representados nas óperas de Wagner, como é o caso das personagens de Alberich e Mime no Anel, Beckmesser em Mestres Cantores e Klingsor em Parsifal. Alguns biógrafos notaram que Wagner em seus anos finais desenvolveu interesse pela filosofia racialista de Arthur de Gobineau, notadamente pela hipótese de Gobineau de que a sociedade ocidental está condenada por causa da miscigenação.


No entanto em nome do bom senso nos sentimos obrigados a ressaltar que ao longo de sua vida Wagner teve amigos, colegas e apoiadores judeus. Sua interpretação social e estética não se torna menos justificada por este fato, nem mais apropriada a acusação polêmica de sua vida ou a incorporação indevida de sua obra pela posteridade incauta.


O tradutor se opõe e repudia terminantemente qualquer apologia à ódio e discriminação de qualquer natureza, respaldado especialmente pelo disposto na Lei nº 7.716/89 e salvaguardando o disposto de liberdade de expressão e isenção de censura na Constituição Federal.


A presente tradução vem à luz num esforço de trazer, pela vez primeira, tal justa medida para louvor e censura.


J. O. Bilda

Brusque, 22 de novembro de 2020.


O JUDAÍSMO NA MÚSICA


Richard Wagner [2]


Na Neue Zeitschrift [3], tem-se falado ultimamente de um gosto artístico hebreu; essa expressão não pode deixar de provocar um ataque e uma defesa. Parece-me de maior importância estudar mais de perto o conteúdo deste assunto, do qual a crítica só se ocupou de modo indireto ou sob a influência da paixão. Não se trata aqui de dizer algo novo, mas antes de explicar a impressão inconsciente de repulsa íntima que se manifesta no povo contra o espírito judaico, expressando assim claramente uma realidade existente. Não se trata, de forma alguma, de dar vida artificial a algo irreal pela força da imaginação. A crítica desconhece sua missão quando, no ataque ou na defesa, quer atuar de outra forma.


Como nestas páginas buscaremos o motivo da aversão popular que se manifesta, ainda em nossos dias, ao elemento judaico, apenas no que diz respeito à arte e principalmente à música – não examinaremos este fenômeno no campo da religião e da política. Por muito tempo, em termos de religião, os judeus deixaram de ser inimigos odiosos para nós, graças a todos aqueles que, no seio mesmo da religião cristã, atraíram o ódio popular.


No campo da política pura, não estamos em conflito real com os judeus; até concordamos com eles sobre a facilidade de fundar um reino em Jerusalém, e sobre este assunto, tivemos que lamentar que o Sr. Rothschild seja inteligente demais para se converter em Rei dos Judeus, e tenha preferido, pelo contrário, como se sabe, aparecer como o Judeu dos Reis.


Não é o mesmo lá onde a política se torna uma questão social: a situação particular dos judeus há muito provoca nossa necessidade humana de justiça, desde o momento em que se despertou em nós a mais clara consciência de nossa aspiração por libertação social. Mas quando lutávamos pela emancipação dos judeus, lutávamos mais por um princípio abstrato do que por um caso específico. Da mesma forma que todo o nosso liberalismo nada mais era do que o jogo de um espírito um tanto nebuloso, quando defendíamos o povo sem conhecê-lo, e mesmo evitando todo contato com ele, nosso zelo em reivindicar igualdade para os judeus era mais fruto de uma excitação produzida por um estado de espírito geral do que por uma simpatia real; e apesar de todos os nossos discursos e de todos os nossos escritos a favor da emancipação dos judeus, sempre sentimos, em nosso contato material e prático com eles, uma repulsa involuntária.


Chegamos aqui ao ponto que nos aproxima do nosso tema: devemos explicar-nos a repulsa involuntária que a pessoa e o modo de ser dos judeus nos provoca, para justificar esta aversão instintiva que, sabemos bem, é mais forte e poderosa que nosso ardor consciente para nos libertar dela.


Mesmo agora, nos iludimos deliberadamente a esse respeito, quando acreditamos dever declarar ilícito e imoral o ato de dar curso publicamente à nossa aversão natural ao elemento israelita. Há pouco tempo parecia que começávamos a entender que é mais razoável nos libertarmos das garras que essa autoilusão significa e examinar a sangue frio o objeto de nossa suposta simpatia, a fim de nos explicarmos essa aversão que persiste apesar de todas as nossas ilusões liberais.


Descobrimos então, de forma surpreendente, que em nossas lutas liberais deslizávamos no espaço e lutávamos nas nuvens, enquanto o magnífico terreno da realidade encontrava um possuidor que se divertia muito com nossos saltos perigosos, mas que nos considerava tolos demais para nos ressarcir da realidade que nos usurpava. Insensivelmente, o “credor dos reis” tornou-se o “rei dos crentes”, e hoje consideramos extremamente cândido o pedido de emancipação desse rei, quando somos nós que nos encontramos na necessidade de lutar para nos emancipar dos judeus.


Na ordem atual das coisas neste mundo, o judeu já está mais que emancipado: ele reina e reinará enquanto o dinheiro continuar sendo o poder contra o qual todas as nossas atividades e todos os nossos esforços colidem. De que forma a miséria histórica dos judeus e a grosseira pilhagem dos poderosos cristão-germânicos fizeram com que esse poder passasse para as mãos dos filhos de Israel, é inútil expor aqui.


Mas de que forma a impossibilidade em que nos encontramos de produzir nas artes, dada a base atual do seu desenvolvimento, tudo o que é natural, necessário e realmente belo, sem uma reviravolta radical, entregou até o gosto artístico do público nas mãos industrioso dos judeus, é o que vamos examinar agora. O tributo que o servo outrora prestou, entre a tortura e a miséria, aos senhores do mundo romano e da Idade Média, o judeu transformou hoje em dinheiro: e quem é que repara que aqueles pedacinhos de papel, com aspecto inocente, estão manchados com o sangue de incontáveis ​​gerações? O que os heróis da arte, pagando o alto preço dos esforços que devoram o prazer e a vida, arrancaram do demônio inimigo da arte em vinte séculos de infortúnio, o judeu hoje faz dela um tráfico de arte comercial: quem se dá conta que as débeis produções amaneiradas da arte atual são feitas com o esforço desesperado do gênio de vinte séculos?


Não precisamos dar provas de que a arte moderna se tornou judaizada; o fato salta aos olhos. Teríamos que voar alto demais se quiséssemos encontrar as provas na história de nossa arte. Mas embora entendamos que o mais urgente é nos emanciparmos da opressão judaica, devemos reconhecer que o mais importante é avaliar nossas forças em vista desta luta pela libertação. Não extrairemos essas forças de uma definição abstrata desse fenômeno, mas de um conhecimento exato da natureza daquele sentimento inato e involuntário que se manifesta em nós por uma aversão instintiva ao elemento judeu: esse sentimento invencível nos revelará, se o reconhecermos francamente, o que odiamos nesse elemento. Ao que sabemos precisamente, podemos apresentar-lhes luta; é até admissível esperar que só com a sua presença consiga afugentar o demônio do terreno em que só consegue ficar graças à semiescuridão que nós próprios, bons humanitários, o circundamos para fazer com que sua vista se nos torne menos repugnante.


O judeu que, como se sabe, tem seu Deus muito particular, nos surpreende primeiro, na vida cotidiana, por sua aparência externa; qualquer que seja a nacionalidade europeia a que pertencemos, ele apresenta algo desagradavelmente estranho a essa nacionalidade: involuntariamente, gostaríamos de não ter nada em comum com um homem que tem essa aparência. Até o presente, essa particularidade era considerada uma desgraça para o judeu; mas, nesses tempos, tínhamos que admitir que isso não o incomodava; depois de sua existência, ele pode considerar como uma superioridade o que o diferencia de nós. Sem levar em conta o lado moral do efeito produzido por essa fantasia caprichosa da natureza, nos limitaremos a dizer aqui, do ponto de vista artístico, que esse aspecto físico nunca nos parecerá um objeto que a arte pode produzir: quando o artista plástico quer representar os judeus, quase sempre tira seus modelos da imaginação, enobrecendo-os prudentemente ou suprimindo tudo o que na vida comum caracteriza precisamente para nós a fisionomia judaica. O judeu nunca se aventura em um palco teatral: as exceções a essa regra são muito raras e com tal particularidade que apenas a confirmam. Não podemos imaginar em cena um personagem antigo ou moderno, seja um herói ou um amante, representado por um judeu, sem sentir involuntariamente toda a impropriedade, que chega ao ridículo, de tal ideia. Isto é muito importante: não podemos considerar suscetível de se expressar artisticamente um homem cujo aspecto exterior julgamos impróprio para uma realização artística, não apenas neste ou naquele personagem, mas em geral, e por causa de sua raça.


É incomparavelmente mais importante, e mesmo decisivo, levar em conta o efeito produzido pelo judeu sobre nós, por sua linguagem; e é precisamente deste ponto de vista essencial que será possível desvendar as causas da influência judaica na música.


O judeu fala a língua da nação em que vive e na qual viveram várias gerações antes dele, mas sempre a fala como um estrangeiro. Visto que o que é importante para nós aqui é encontrar as razões para esse fenômeno, não podemos acusar a civilização cristã de ter mantido o judeu em seu isolamento taciturno; e não procuraremos tratar do resultado deste isolamento dos judeus.


Nosso único objetivo é destacar o caráter estético desses fatos. Em primeiro lugar, o fato de o judeu falar apenas as línguas europeias modernas como línguas aprendidas e não como língua materna, deve em geral impedir-lhe toda faculdade de se expressar em cada uma delas segundo o seu gênio, com originalidade e personalidade. Uma língua, assim como sua faculdade de expressão, não é obra de indivíduos, mas de uma comunidade histórica: somente aqueles que cresceram inconscientemente nesta comunidade participam, também, de suas criações. Mas o judeu permaneceu fora de tal comunidade, apenas com seu Jeová, em uma raça e em uma tribo dispersa e desenraizada, para a qual toda evolução teve que ser negada e cuja língua particular (hebraico) teve que permanecer em uma língua morta. Até agora sempre foi impossível, mesmo para os maiores gênios, fazer a obra de um verdadeiro poeta em uma língua estrangeira; por outro lado, toda a nossa civilização e toda a nossa arte europeia se tornaram uma língua estrangeira para o judeu; o infeliz, sem pátria, foi no máximo um espectador frio, até hostil, tanto de sua formação como de seu desenvolvimento, do qual não participou. Nesta língua, nesta arte, o judeu só pôde repetir, imitar, mas não falar realmente como poeta, nem tampouco criar obras de arte.


O que nos repugna particularmente é a expressão física do sotaque judeu. A civilização falhou, apesar de um contato de dois mil anos com as nações europeias, em superar a surpreendente persistência do judeu nativo em relação às particularidades do sotaque semítico. Nossa audição é estranha e desagradavelmente afetada pelo som agudo, estridente, seseante [4] e arrastado da pronunciação judaica: um uso completamente impróprio de nossa língua nacional e uma alteração arbitrária das palavras e expressões idiomáticas que dão à sua maneira de falar o caráter de um balbucio confuso e insuportável, e nos obriga durante uma conversação, a prestar mais atenção a este como desagradável do falar judaico que ao seu quê. A importância excepcional deste fato deve ser reconhecida e mantida a fim de explicar a impressão que nos causam as obras musicais dos judeus modernos. Quando ouvimos um judeu falar, a ausência de qualquer expressão puramente humana em sua fala nos fere, apesar de nós mesmos: a monotonia fria de seu balbucio específico não se eleva em nenhuma circunstância ao acento vivo da paixão. Se por acaso somos nós que nos animamos ao falar com um judeu, ele sempre foge, pois não consegue responder no mesmo tom. O judeu nunca é encorajado a trocar impressões conosco, ele só o faz quando intervém o interesse puramente egoísta de sua vaidade e de seu lucro; e essa animação, dado o acento caricato de sua linguagem, produz sempre um efeito ridículo e não desperta em nós nenhuma simpatia pelo interlocutor.


Embora devamos admitir que nas suas relações pessoais, e especialmente na família, onde o sentimento puramente humano se revela, os judeus certamente conseguem dar aos seus sentimentos uma expressão adequada ao menos para eles, não o levaremos em consideração aqui, uma vez que apenas fazemos comparecer o judeu que nos fala diretamente no comércio da vida e da arte.


Se, como mostramos, sua linguagem impede quase completamente o judeu de expressar seus sentimentos e ideias por meio da fala, com mais razão uma manifestação semelhante lhe seria impossível através do canto. Cantar é um discurso levado ao mais alto grau de paixão; a música é a linguagem da paixão. Se por acaso o judeu eleva o tom de sua fala ao canto, sua animação nos parece ridícula, e como ele nunca assume o sotaque de uma paixão capaz de nos comover, torna-se absolutamente insuportável. Tudo o que nos disporia em seu exterior físico e em sua linguagem, conseguiria que ao cantar fugíssemos correndo, se não fosse que a bufonaria desse fenômeno nos impedisse.


É natural que a aridez natural da natureza judaica atinja seu apogeu no canto, considerado o meio mais vivo e indiscutivelmente verdadeiro de expressão da sensibilidade individual; e de acordo com a natureza das coisas, deveríamos negar ao judeu qualquer habilidade artística em todos os campos da arte, e não apenas naquele que tem por base o canto.


A faculdade de concepção concreta dos judeus nunca lhes permitiu ver surgir artistas plásticos entre eles. Em todos os momentos sua visão se interessou por coisas mais práticas do que a beleza e a substância ideal do mundo das formas. Em nossos dias, creio, nunca ouvimos falar de um arquiteto ou de um escultor judeu: deixo para os árbitros da profissão decidir se os pintores judeus modernos foram realmente criativos em sua arte; mas é muito provável que esses artistas não tenham conseguido, na arte plástica, adotar uma postura diferente daquela assumida na música pelos compositores judeus modernos, posição que agora tentaremos esclarecer.


O judeu, que não consegue se revelar artisticamente para nós, por sua aparência e linguagem, ainda mais por causa de seu canto, apesar disso ele conseguiu se impor ao gosto popular em termos de música, que é a categoria de arte moderna mais difundida. Examinaremos primeiro, para explicar esse fenômeno, de que modo foi possível para o judeu se tornar músico.


A partir do momento de nossa evolução social em que, cada vez mais abertamente, o dinheiro confere nobreza e realmente dá poder, não foi mais possível negar aos judeus, os que até então tinham apenas um ofício, o de obter lucros sem trabalho real, isto é, a usura, o título de nobreza da sociedade moderna ávida por dinheiro, para a qual, por outro lado, eles próprios contribuíram.


Nossa cultura moderna, que só é acessível ao homem de fortuna, não lhe é algo proibido, sobretudo levando em conta que ela decaiu a ponto de se tornar um artigo comercial de luxo. A partir de então, surge em nossa sociedade o judeu cultivado, cuja diferença com o judeu inculto e grosseiro deve ser enfatizada. O judeu educado fez todo o possível para se livrar dos sinais característicos de seus correligionários vulgares: em muitos casos, ele julgou necessário para atingir seu objetivo, ajudar-se por meio do batismo cristão a fim de lavar todos os vestígios de sua origem. Apesar de tudo, o zelo não colheu os benefícios esperados, e apenas contribuiu para isolar completamente o judeu culto, tornando-o um homem seco e árido, a ponto de perdermos nossa antiga simpatia por ele e pelo destino trágico de sua raça.


Em compensação pelo laço que o ligava a seus antigos companheiros de sofrimento, e que ele orgulhosamente havia quebrado, foi impossível para ele amarrar outros à sociedade a qual se içava. Está em comunhão apenas com os que necessitavam de seu dinheiro; mas o dinheiro nunca conseguiu criar vínculos férteis entre os homens. Estrangeiro e indiferente, o judeu cultivado encontra-se no seio de nossa sociedade, que não compreende, com as tendências e inclinações com as quais não simpatiza, e cuja história e evolução lhe foram fechadas.


Nesta situação, temos visto surgir pensadores entre os judeus: o pensador é um poeta que olha para trás; mas o verdadeiro poeta é o profeta anunciador do porvir. Tal papel de poeta é possibilitado pela mais profunda e ardente simpatia por uma grande comunidade que persegue os mesmos objetivos, dos quais o poeta, segundo seu próprio gênio, apenas revela a expressão inconsciente. Totalmente excluído desta comunidade pela própria natureza de sua situação e tendo rompido todos os laços com sua própria raça, a cultura adquirida e comprada do judeu cultivado não poderia ser mais que um objeto de luxo, visto que, em suma, ele não sabia o que fazer com ela. Mas uma parte dessa cultura está formada agora por nossas artes modernas, e entre elas figura a que se aprende com a maior facilidade, a música; e é precisamente esta música que, separada das suas irmãs na arte e graças aos esforços e à potência dos maiores gênios, adquiriu a faculdade de expressão mais generalizada, até o ponto em que pode expressar o sublime em síntese com outras artes, ou também expressar o pior dos aborrecimentos e a trivialidade mais baixa se persistir em seu isolamento.


O que o judeu cultivado, na situação acima mencionada, tinha para se expressar se quisesse se manifestar na arte, não poderia ser mais do que chatice e trivialidade, posto que todo o seu instinto artístico não passava de luxo e futilidade. Era livre para se expressar desta ou daquela maneira, seja inspirado por seu capricho ou por seu interesse estrangeiro pela arte; já que algo determinado, necessário ou real nunca o levou a se expressar. Ele só experimentava a necessidade de falar, pouco lhe importava o quê, enquanto não tivesse que se preocupar mais com o como.


Nenhuma arte oferece com mais generosidade que a música a faculdade de falar para não dizer nada, porque os maiores gênios já a fizeram expressar tudo o que se poderia ser dito enquanto a arte especial absoluta. Dito isto, só poderia ser repetido e martelado de forma penosa até obter a ilusão semelhante à de papagaios repetindo palavras e frases humanas, com tão pouca expressão e verdadeiro sentimento como o desses pássaros ridículos. Observa-se uma só peculiaridade nesta linguagem simiesca de nossos compositores judeus: a elocução judaica que já caracterizamos anteriormente.


As particularidades da linguagem e do canto hebraico em sua notável originalidade de massa, são observadas no judeu comum, aquele que permaneceu fiel à sua raça; embora o judeu cultivado tenha um cuidado incrível para se livrar dele, eles parecem se agarrar a ele com uma teimosia insolente. Este infortúnio deve-se, sem dúvida, a razões puramente fisiológicas, mas a posição social já indicada do judeu cultivado contribui igualmente. Embora nossa arte de luxo continue quase que exclusivamente nas nuvens de nossa imaginação arbitrária, resta uma fibra que a une e a amarra solidamente ao seu solo natural, o verdadeiro espírito do povo. O verdadeiro poeta, em qualquer categoria de arte que cria, nunca tira a sua inspiração de outro modo que a contemplação conscienciosa e simpática da vida espontânea, esta vida que só lhe é revelada no povo.


Onde o judeu cultivado pode encontrar tal povo? Certamente não no meio social onde ele desempenha seu papel de artista. Ele só pode estar unido a esta sociedade por uma excrecência desta completamente desligada de seu tronco verdadeiro e saudável, sendo este vínculo indiferente e sem importância; dar-se-á cada vez mais conta dessa indiferença, à medida que baixe ao fundo dessa sociedade em busca de alimento para sua criação artística. Aqui tudo lhe parece não apenas estranho e mais incompreensível, mas que então a repugnância involuntária do povo para com ele se torna evidente com toda a sua crueza dolorosa, porque esta repugnância não foi enfraquecida ou destruída por um cálculo interessado ou pela consideração de certos interesses comuns, como acontece entre os ricos.


Rejeitado da maneira mais dolorosa por este povo, o judeu cultivado, que de outra forma é completamente incapaz de compreender seu espírito, é devolvido à sua própria raça, cuja compreensão permanece muito mais fácil para ele. Quer queira ou não, deve suster-se nessa fonte, mas só pode absorver um como, nunca um quê.


O judeu nunca possuiu uma arte própria, consequentemente, tampouco uma vida subministrando matéria para a arte. Uma matéria de arte de significação humana geral não pode, mesmo hoje, ser encontrada na vida judaica por um pesquisador; ele apenas encontraria a estranha forma de se expressar que já caracterizamos. Portanto, para o compositor judeu, a celebração musical do culto a Jeová constitui a única expressão musical de seu povo; a sinagoga é a única fonte onde pode obter para sua arte temas populares que lhe sejam acessíveis. Por mais inclinados que estejamos a imaginar a nobreza e a beleza deste serviço religioso em sua pureza original, devemos reconhecer com evidências que ele só foi transmitido até nós com as alterações mais repugnantes. Lá, depois de milhares de anos, nada se desenvolveu pelos efeitos de uma vida interior, mas tudo, como no Judaísmo em geral, permaneceu rígido e estático tanto na substância quanto na forma. Mas uma forma que nunca foi vivificada pela renovação da substância está ordenada; uma expressão cujo objeto não é, há muito tempo, um sentimento vivo, perde toda a significação e morre.


Quem não teve oportunidade de se convencer do absurdo e do grotesco do canto religioso em uma sinagoga popular? Quem não foi apreendido pela impressão mais asquerosa, misturada com horror ridículo, ao ouvir aquelas palmadas e gorgolejos, aquele chilrear, aqueles balbucios, que confundem o sentido e o espírito e que nenhuma caricatura intencional conseguiria tornar mais repulsivo do que o que se mostrado ali, em toda a sua séria candidez?


Nestes últimos tempos, o espírito de reforma tentou restaurar essas canções para dar-lhes novamente sua pureza original; mas o que a inteligência judaica mais elevada e consciente tentou naquele caso foi, de acordo com sua natureza, nada mais do que um esforço malsucedido de cima a baixo. Essa tentativa não poderia se enraizar com força suficiente para que o judeu cultivado, que busca no povo a própria fonte de vida para satisfazer sua necessidade artística, pudesse ver essa fonte emergir como o espelho de seus esforços inteligentes. Ele busca o espontâneo e não o refletido, que é justamente sua especialidade; sendo esta expressão contorcida a única que lhe é oferecida como elemento espontâneo.


Se este retorno à fonte popular representa para o judeu cultivado, como para qualquer artista em geral, algo não intencional, e ordenado apenas pela natureza das coisas por uma necessidade inconsciente, então ele se volta para suas produções como artista e exerce, em consequência, um verdadeiro poder invencível sobre sua maneira de ver.


Esses ritmos do canto da sinagoga capturam sua imaginação musical, assim como a posição inata das melodias e ritmos de nossa canção e de nossa arte vocal e de nossa música instrumental. Dada a faculdade de percepção musical do judeu cultivado, a única coisa que ele pode assimilar é o imenso ciclo da nossa música, tanto popular quanto artística, é o que ele recebe de forma compreensível: a única coisa que ele pode compreender, isto é, compreensível a ponto de poder utilizá-la artisticamente, é o que se aproxima, por analogia, das peculiaridades da música judaica. Se o judeu, na presença da essência de nossa arte, ingênuo ou sábio, se esforçasse por sondar o coração e os nervos vitais, estaria obrigado a ver que não há nada ali que, em verdade, se aproxime de sua natureza musical, e tudo que lhe é completamente estranho nesta arte, deveria fazê-lo voltar até que perca toda a vontade de colaborar em nossas criações artísticas. Mas sua situação entre nós não permite que o judeu penetre tão intimamente em nosso ser: seja com intenção (assim que tome consciência de sua posição em relação a nós), ou seja involuntariamente (quando é incapaz de nos compreender), ele presta apenas uma atenção muito superficial à nossa arte e ao seu vivificante organismo íntimo, e é por causa dessa audição indiferente que ele pode imaginar que encontra analogias externas com o que só é perceptível para o seu modo de ver, próprio de sua natureza. A aparência fortuita das obras, no campo musical da vida e da arte, lhe aparecerá então como a própria essência de suas produções. É por isso que, se quiser nos oferecer suas impressões como artista, elas parecem estranhas, frias, raras, indiferentes, antinaturais e desfiguradas; é assim que as obras musicais judias às vezes produzem a impressão que nos daria, por exemplo, um poema de Goethe recitado em gíria judaica.


Do mesmo modo que nesta gíria, com uma indigência de expressão notável, as palavras e as construções se misturam sem ordem umas sobre as outras – assim também o músico judeu embaralha as diferentes formas e estilos de todos os mestres e de todos os tempos. Encontramos aí, amontoados no mais confuso caos, as peculiaridades formais de todas as escolas. Como em todas essas produções se trata apenas de falar, e nunca de temas que valham a pena ser expressos, verifica-se que este falatório só pode se converter n’algo um pouco atraente ao ouvido se a cada instante lhe for oferecido alternadamente meios exteriores de expressão, uma nova provocação à atenção.


A emoção interior, a verdadeira paixão, encontra a sua linguagem particular no momento em que, lutando para se fazer compreender, busca comunicar-se: o judeu, já caracterizado em detalhes anteriormente neste aspecto, não sente nenhuma paixão verdadeira, muito menos uma paixão capaz de dar-lhe o desejo da criação artística.

Não há serenidade possível quando esta paixão está ausente. A verdadeira e nobre serenidade nada mais é do que a paixão domada pela resignação. Quando a paixão não precedeu a calma, encontramos apenas a inércia; mas o oposto da inércia é aquela agitação febril que observamos de um extremo ao outro nas obras musicais judaicas, exceto nos lugares em que deixa espaço para a inércia das ideias e do sentimento.


O resultado das pretensões artísticas dos judeus terá necessariamente um caráter de frieza e indiferença chegando até o ridículo e o trivial, e devemos designar ao período histórico do judaísmo na música moderna, como o da esterilidade completa e do equilíbrio rompido.


Vemos tudo isso muito claramente nas obras de um músico de origem judaica a quem a natureza dotou de disposições musicais excepcionais. Tudo o que forneça argumentos para a análise de nossa antipatia pela natureza judaica, tudo o que esta natureza apresenta como contraditório em si mesma e diante de nós, toda a sua incapacidade de não ser em nosso solo, de não poder se misturar conosco nesse solo, e de não poder cultivar os elementos que encerra, tudo isso é o que produziu um conflito verdadeiramente trágico na natureza, na vida e na produção de um artista que morto prematuramente, Felix Mendelssohn Bartholdy.


Mostrou-nos que um judeu pode ser dotado do talento específico mais belo, possuir a educação mais perfeita e mais ampla, a mais elevada e delicada ambição, sem jamais poder, por meio de todos esses dons, obter nem ao menos uma só vez que nosso coração e nossa alma se vissem tomados por essa impressão incomparável que esperamos da arte, pois sabemos que a arte é capaz disso, porque o sentimos um número infinito de vezes quando um herói da nossa arte abria a boca, por assim dizer, para falar-nos. Os críticos de profissão que estão compenetrados pela mesma convicção que nós, devem confirmar, pois que lhes toca fazê-lo, por meio de evidências extraídas das particularidades das obras artísticas de Mendelssohn, esse fenômeno que tem uma certeza indiscutível: bastará aqui, para explicar o nosso sentimento geral, lembrar que não poderíamos nos sentir cativados ao ouvir a música deste compositor, se apenas se apresentasse à nossa imaginação, sempre mais ou menos ávida por distrações, a exposição, o arranjo, a confusão de motivos mais finos, mais formosos e mais artificiais, como num caleidoscópio de formas e cores em movimento, mas nunca fomos alcançados em momentos em que essas figuras de estilo deveriam ter expressado os sentimentos do coração mais íntimos e mais profundamente humanos.


Ali, toda faculdade de criar formas cessava para Mendelssohn; este é o motivo por que, no oratório, tentou o drama, tendo que recorrer muito abertamente a cada uma das particularidades formais própria como uma marca individual característica, de tal ou qual de seus predecessores que tomava como modelo de estilo. Também é notável que, ao fazer isso, o compositor elegia com preferência como modelo a imitar com sua inexpressiva linguagem moderna, ao nosso antigo mestre Bach. A linguagem musical de Bach se forma em um período de nossa história da música em que a linguagem musical em geral ainda se esforçava para adquirir a faculdade de uma expressão mais individual e mais segura, esta tão tratada, todavia, no puramente formal e no pedantismo, que foi apenas com Bach, e graças à imensa força de seu gênio, que encontrou pela primeira vez sua expressão puramente humana. A linguagem de Bach é a linguagem de Mozart e a de Beethoven, o que a Esfinge egípcia é para a estátua grega: assim como a Esfinge em forma humana ainda se esforça para se livrar de sua forma animal, assim também a nobre cabeça de Bach se esforça para se livrar da peruca.


É necessária toda a incoerência fútil e incrível do gosto contemporâneo a favor de uma música de luxo, para suportar ao mesmo tempo a linguagem de Bach ao lado da de Beethoven, e para sustentar que entre a linguagem dos dois compositores surge uma diferença devida apenas à individualidade do estilo e não ao grau de cultura histórica. No entanto, a razão é fácil de compreender: a linguagem de Beethoven só pode ser falada por um homem completo, forte e ardente, porque era precisamente a linguagem de um músico tão completo que, superando com um impulso necessário a música absoluta que, medida e preenchida até os seus limites extremos, mostrou-nos o caminho da fecundação de todas as artes pela música, como sendo a sua única extensão eficaz.


A linguagem de Bach, ao contrário, pode ser imitada por um músico muito habilidoso, ainda em outro sentido, porque o formal ainda reina nele, e porque a expressão puramente humana não predomina com clareza suficiente, como para que o quê não possa ou não deva ser expressado por ele, que está todavia absorto na elaboração do como. Se Mendelssohn, em seus esforços para expressar de maneira tão interessante quanto deslumbrante um tema vago e quase insignificante, não inventou a deliquescência e a arbitrariedade de nosso estilo musical, ele, no entanto, os levou ao apogeu. O último na cadeia de nossos verdadeiros heróis da música, Beethoven, com uma vontade sublime e força milagrosa, luta por uma expressão mais nítida, mais segura de uma substância indizível, criando as formas musicais bem precisas de seus quadros sonoros, mas Mendelssohn, pelo contrário, faz com que as imagens adquiridas desapareçam em suas produções e as transforma em sombras vagas e fantásticas; perante sua luz débil, nossa imaginação caprichosa é arbitrariamente excitada, mas nossa aspiração íntima, puramente humana, de contemplar algo claramente artístico, está apenas aflorada pela esperança de ser satisfeita. Somente ali onde o sentimento opressivo desta incapacidade parece apoderar-se da alma do compositor, levando-o a expressar uma resignação mais nobre e melancólica, Mendelssohn logra representar-se caracteristicamente no sentido subjetivo de uma individualidade fina e terna, que na presença do impossível, manifesta sua debilidade. Como já dissemos, esse é o lado trágico do caso Mendelssohn; e se no campo da arte tivéssemos que brindar nossa simpatia ao indivíduo, deveríamos fazê-lo em grande medida com Mendelssohn, mesmo que a força dessa simpatia fosse enfraquecida por considerar que o trágico de sua situação era inerente a Mendelssohn, embora ele não tivesse uma consciência real, dolorosa e purificadora disso.


No entanto, nenhum outro compositor judeu consegue despertar em nós simpatia semelhante. Um compositor judeu contemporâneo, universalmente conhecido, dirigiu-se em suas obras a uma parte de nosso público cujo gosto não podia mais ser corrompido, mas apenas explorado. O público de nossos teatros modernos perdeu pouco a pouco e há muito o hábito de ser exigente com a obra dramática ou com qualquer outra obra de bom gosto em geral. As salas desses locais de entretenimento geralmente estão cheias com aquela fração de nossa sociedade burguesa para a qual o único motivo de suas ações é o tédio. Mas a doença do tédio não pode ser curada com o gozo da arte: o tédio não é combatido, apenas se o ilude em si mesmo variando suas formas. Esse famoso compositor de óperas teve como fim único para a sua missão como artista a preocupação por produzir essa ilusão. É inútil caracterizar mais detalhadamente a utilização dos meios artísticos que escolheu para o conseguir: bastou, e o sucesso o comprova, que pudesse dar a ilusão, e que a conseguisse ao impor ao seu público de ociosos, esse jargão por nós definido como uma expressão moderna picante de todas as trivialidades, que já lhe havia servido tantas vezes com sua inocência natural. Esse compositor busca e usa em sua obra choques e efeitos que as catástrofes sentimentais produzem, o que é muito natural quando se sabe que as pessoas que se aborrecem adoram sensações deste tipo; ninguém deve se surpreender, então, que dadas essas orientações, se obtenha sempre um resultado bem-sucedido.


Esse compositor ilusionista vai tão longe, que chega a iludir a si mesmo, é provável que sua intenção seja a de enganar a si mesmo tanto quanto o faz com seu público de pessoas aborrecidas. Acreditamos sinceramente que ele desejava criar obras de arte, mas sabia que lhe era impossível: para sair deste doloroso conflito entre a querer e poder, escreveu óperas para a cidade de Paris, fazendo com que fossem executadas com facilidade no resto do mundo; é o meio mais seguro de buscar a glória artística sem ser artista. Sob a pressão dessa autoilusão, que deve ser bastante dolorosa, ele se nos aparece quase com um aspecto trágico: mas o lado puramente pessoal do interesse ferido, dá ao personagem um toque tragicômico. O famoso compositor nos revela os caracteres do judaísmo no campo da música ao nos deixar uma impressão de frieza e verdadeiro ridículo.


Do cuidadoso exame dos fatos enumerados acima, e que pudemos conhecer ao tentar justificar nossa invencível antipatia pelo espírito judaico, sobressai principalmente a prova da esterilidade de nossa época na arte musical. Se os dois compositores judeus aos quais apontamos tivessem levado nossa música a um desenvolvimento mais elevado, deveríamos confessar que nosso atraso em relação a eles se deve a uma incapacidade orgânica inerente à nossa natureza: mas não é o caso; ao contrário, a faculdade individual puramente musical se revela hoje, em comparação com a de épocas anteriores, mais aumentada que diminuída. A esterilidade reside no próprio espírito da nossa arte mesma, que reclama por algo diverso dessa vida aparente que se conserva artificialmente.


A esterilidade da arte musical aparece para nós no esforço artístico de Mendelssohn, esse músico extraordinariamente talentoso; mas a nulidade de todo o nosso público, sua constituição e seus gostos essencialmente inartísticos, são demonstrados da maneira mais evidente pelo sucesso obtido pelo famoso compositor de óperas judeu. São esses os pontos principais que devem fixar exclusivamente a atenção de todos aqueles que têm uma elevada ideia de arte: é sobre esta base que devemos buscar, averiguar e adquirir uma concepção clara. Quanto àquele que se assusta com a tarefa e se afasta da busca, seja porque a necessidade não o obriga, seja porque teme as consequências que o obrigariam talvez a deixar sua confortável sensação de rotina vazia de pensamento e sentimento, incluímo-lo precisamente na categoria do “judaísmo na música”.


Os judeus não puderam se apoderar desta arte antes que se tivesse imposto aquilo com o qual eles inquestionavelmente contribuíram: a completa ausência de vida. Durante todo o tempo em que a música, considerada como arte particular, possuía em si mesma uma verdadeira necessidade orgânica de vida, ou seja, até a época de Mozart e de Beethoven, não se encontrava um único compositor judeu: era impossível para um elemento completamente alheio a esse organismo vital participar das criações desta vida. Só no momento em que a morte interior de um corpo é evidente, os elementos externos adquirem força suficiente para se apoderar dele, a fim de decompô-lo: então a carne desse corpo pode muito bem se dissolver na vida fervilhante dos vermes, porém. Quem, segundo seu aspecto, o considera ainda com vida?


O espírito, ou seja, a vida, fugiu daquele corpo para se reunir com o seu análogo, isto é, ela mesma: só na vida real podemos encontrar o espírito da arte, e não em seu cadáver devorado por vermes. Disse anteriormente que os judeus nunca tiveram um poeta verdadeiro. Agora devemos falar sobre Henri Heine. Na época em que Schiller e Goethe estavam escrevendo, não ouvimos poetas judeus citados; mas na época em que nosso país a poesia se tornou uma mentira, em que nossa vida antipoética era capaz de produzir tudo menos um verdadeiro poeta, foi um judeu muito dotado poeticamente, quem se encarregou de desnudar, com uma zombaria cruel, essa miséria insondável e essa hipocrisia jesuítica de nossos copiadores com pretensões poéticas. Também flagelou aos seus célebres correligionários músicos, por sua pretensão de quererem ser artistas; nunca se iludiu. Sem trégua, foi empurrado pelo demônio implacável da negação e renegou tudo o que lhe parecia dever negar, através de todas as ilusões de nossa mentira moderna, mas mentiu a si mesmo ao crer-se poeta, recebendo como castigo suas mentiras rimadas, postas em músicas por nossos compositores.


Foi a consciência do Judaísmo, assim como o Judaísmo é a má consciência da nossa civilização moderna.


Devemos também falar de outro judeu que se produziu entre nós como escritor. Saiu de sua posição particular de judeu para buscar redenção entre nós; não a encontrou e teve que confessar que não poderia encontrá-la até o dia em que nós também, convertidos em verdadeiros homens, estivéssemos salvos.


Mas tornar-se homem ao mesmo tempo que nós, isto significa, antes de mais nada, para um judeu, deixar de ser judeu. Foi o que fez Börne [5]. Mas seu exemplo ensina justamente que essa redenção não pode ser alcançada na quietude e no bem-estar frio e indiferente, e que, pelo contrário, custa suor, miséria, angústia, dores e sofrimentos, como acontece conosco.


Tome parte sem prevenção desta obra de redenção onde a destruição regenera, e então seremos unidos e semelhantes. Mas tenha em mente que só há uma maneira de conjurar a maldição que pesa sobre vós: a redenção de Ahasverus [6], a aniquilação.


Notas:


[1] O Judeu Errante é uma figura da mitologia católica que se tornou popular no século XIII. Um dos primeiros manuscritos existentes contendo a Lenda é o Flores Historiarum de Roger de Wendover, onde aparece na parte do ano 1228, sob o título Do judeu Joseph que ainda está vivo aguardando a última vinda de Cristo. A lenda original diz respeito a um judeu que zombou de Jesus no caminho para a crucificação e foi então amaldiçoado por este a caminhar pela Terra até a Segunda vinda. As origens da lenda são incertas; talvez um elemento seja a história do Gênesis de Caim, que recebe uma punição semelhante - vagar pela Terra, vasculhando e nunca colhendo, embora sem a punição interminável relacionada. Às vezes foi dito que seria um sapateiro ou outro comerciante, enquanto às vezes é o porteiro da propriedade de Pilatos. Foi representado na famosa pintura O Judeu Errante de Gustave Doré.


[2] O presente texto foi publicado originalmente em duas partes, sob o título Das Judentum in der Musik, no Leipziger Musikzeitung (3 a 6 de setembro de 1850). Nesta primeira versão, além disso, o autor assinou como K. Freigedank. A tradução para o espanhol foi retirada do número 1 da Wagneriana, 1977.


[3] Die Neue Zeitschrift für Musik (A Nova Revista de Música) foi uma revista de música, fundada em Leipzig pelo compositor Robert Schumann em 1834. N. do T.


[4] Pronunciar o “c” ou o “z” como “s”. N. do T.


[5] K. Ludwig Börne (1786-1837), político e escritor judeu-alemão, atuante no movimento progressista-socialista Junges Deutschland (Jovem Alemanha) ao lado de outros escritores judeus. N. do T.


[5] Refere-se à tradição oral cristã do Judeu Errante, figura mítica amaldiçoada por Jesus Cristo a vagar pelo mundo até seu Retorno. N. do T.

"O Judaísmo na Música", um ensaio por Richard Wagner - Tradução de J. O. Bilda: Texto
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